sexta-feira, setembro 26

bloomsday



ilustração: Fred Matos - traços do arquiteto


enquanto em Dublin os rins de Joyce
eram servidos no Bloomsday
meu fígado estava sendo consumido
em ordinário prato de flandres

não vale a pena ir adiante
quando se crê o mundo perdido
na cega idolatria que eu sei
e não me será imposta a coices

na sobremesa uma fatia de doce
no jantar um novo Decreto-Lei
será inevitavelmente digerido

à noite uma leitura narcotizante
depois o nó górdio de Alexandre
e o oriente ao ocidente submetido

não preciso que se entenda o que digo
nem saber se a estupidez se expande
para as fronteiras além do meu umbigo

ah! aqui faz um belo domingo
somente isto deveria ser importante
não a lembrança de um junho antigo

que, contudo, não me saí da cabeça
porque meu fígado foi digerido
no balcão de um pub irlandês:

Leopold Bloom estava bêbado
e berrava para que todos ouvissem:
“ah! como é gostoso o meu Ulisses”

quando acabou o estoque de uísque
bebeu o meu sangue numa taça
e no meio do disse-que-disse
queria ainda que eu sorrisse
mas não me tirou a mordaça

lembranças antigas, meu bem,
lembranças que preciso esquecer
porque nada pode ocupar espaço
no espaço que dei a você.


Fred Matos


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