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sexta-feira, novembro 26

dogmas




Renovo o convite para visitar a minha galeria no Flickr, clicando na foto abaixo.

Ótimo fim de semana


dogmas

quarta-feira, setembro 22

a primeira namorada



ilustração: Fred Matos


a treva enorme da noite o vento frio
um grito apavorante um gato negro
passos pesados vindos do pântano
não tive como conter meu medo

corri na direção da sebe escura
a terra tremeu fui engolido
na queda perdi os sentidos
batia a cabeça quebrei um joelho

desejei que fosse um pesadelo
que nada daquilo fosse verdade
não creio merecer a crueldade
de ter cobras penteando o meu cabelo

no ninho de ofídios me vi perdido
rios de peçonha injetados nas veias
eu era o prato principal da ceia
e a carniça seria reduzido

desejei que a morte viesse ligeiro
para aliviar meu sofrimento
mas meu violento lamento
havia despertado uma feiticeira

nada antes me aterrorizara tanto
quanto o abraço gelado da megera
preferia ser panqueca de pantera
que amante daquele espanto

levou-me a uma úmida caverna
sarou minhas feridas a tarada
velou meu sono mil madrugadas
me manteve longe da baderna

um dia a peguei desprevenida
e o cheiro de sangue ainda quente
invadindo o meu corpo e minha mente
foi o afago que lhe fiz na despedida.


Fred Matos

quarta-feira, setembro 15

reflexão



Foto: Fred Matos

a lua não é, reflita,
a água que a reflete

nem a limita




Fred Matos

quarta-feira, setembro 8

nada apaga



Foto: Raphael Guarino - "Lilly"


uma lágrima só não basta
um oceano é insuficiente
poemas,
belas palavras,
nada redime,
nada apaga
a inocência prematuramente perdida
das crianças maltratadas

há as que são violadas
todos os dias,
anos a fio
pelo pai, mãe, irmãos, tios
aqueles que deviam protegê-las

há as que são espancadas
as que são abandonadas
há as quais se negam carinhos
calor, comida, água.

uma lágrima só não basta
não há poema que redima
rimas soam equivocadas
a angústia me domina
porque tenho palavras somente
e palavras não são eficientes
para restituir a vida
às crianças estupradas.



Fred Matos

sexta-feira, setembro 3

mergulho


para a amiga Suzy Malmal



ilustração: Michelangelo Caravaggio - Narciso.


o que eu venho tentando lhes dizer
digo-o a mim todos os dias
com a serenidade de um silêncio agudo
que vibra a tênue mas resistente fibra
que tece a invisível malha da vida

cada um humano é um lago de águas turvas
que o vento da circunstância fere a superfície
sua face mais visível e inconstante
onde bóiam as paixões ligeiras
e navegam os dramas que nos aflige

é preciso descer ao fundo
além de onde a luz permite
onde tudo é absoluta calma
ao lodo denso que retém a alma
substância rica de que se nutre

só após este mergulho se compreende
que a força provem da massa escura
formada pelo acúmulo das experiências
que submergem na nossa inconsciência
quando, à nos olharmos, olhamos para o mundo

restabelecido o perfeito equilíbrio
das partes todas de que somos feitos
nada mais há que nos transtorne
e o lago volta a ser o espelho
onde Narciso se admira e morre.


Fred Matos.

terça-feira, agosto 31

pontos de vista




foto: Mário Cravo Neto



o demônio estendeu seu manto negro
abriu-me as portas do mundo ardente
porque - coitado - muito velho e doente
precisa urgentemente de substituto

eu lhes digo francamente
que não foi o baixo salário
nem as más condições de trabalho
que me fizeram recusar o cargo

o que me incomodou foi o chocalho
que eu teria pendurado ao pescoço
e também que no horário do almoço
eu não teria tempo para a sesta

no céu me tomaram por bom moço
e deus me chamou para uma entrevista
só espero que ele não insista
que eu use roupas de vigário

eu tenho meus pontos de vista
não aceito regras anacrônicas
muito menos reger a filarmônica
e o coro de anjos desdentados.


Fred Matos

segunda-feira, agosto 16

sem sentido



Foto: Fred Matos


além de onde nascem as fúrias
um bezerro desgarrado berra
o rei destronado canta
nada nunca fez sentido
é muito bom que assim seja
e que a chuva lave o asfalto

um dragão cultiva orquídeas
as crianças não são tímidas
as portas são de cortiça
os lençóis de nuvens claras
amanhã é um velho cego
as moças varreram a sala

doze guerreiros se ajoelham
os pássaros perseguem ratos
há um cheiro de erva cidreira
madrepérolas pingam dos dedos
nada nunca fez sentido
é mesmo bom que nunca faça

a princesa dança um tango
o poeta rói palavras
para ao cabo desta trança
tirar o violão do saco
separar um ramo verde

e sorrindo bater asas.



Fred Matos

segunda-feira, julho 19

a cidade perdida


foto: Fred Matos


há uma cidade perdida
entre esquinas e ladeiras
sob as praças
sob os prédios
nas calçadas
nas sarjetas

há uma cidade perdida
nas ruínas dos palácios
sobre os jardins geométricos
sobre os pátios de concreto
mar de lixo
rios de asfalto

há uma cidade perdida
nas memórias de um garoto
que se perdeu na cidade
que se afogou no esgoto


Fred Matos



quinta-feira, julho 15

cangalha



foto: Mário Cravo Neto


jamais me perguntei
porque tenho apascentado esta manada
cujos olhos perfuram meus silêncios.

gostava que não me apertassem o pescoço
nem que me exigissem manter limpos
os meus sapatos de mármore.

mas nunca, jamais, nenhum pio.

caminho ereto e sorridente como um asno
cuja felicidade é a ausência da cangalha.

contudo, tenho intimamente gritado
que todos os meus sonhos se diluem
como a neblina após a alvorada.

mas não.

estão todos surdos
nunca serei ouvido
exceto na opacidade dos meus olhos
cobertos de musgos.



Fred Matos

domingo, julho 11

morituri et salutant


foto: Fred Matos

os que vão morrer te saúdam
eu sobretudo e sempre
ontem, hoje, eternamente


Fred Matos


quinta-feira, julho 1

gato por lebre



Foto: Celestino O. Costa


O sabiá suspira
quando canta a cotovia.
Eu, porém, contudo, todavia...



Fred Matos
30/10/2001.

quinta-feira, junho 24

memórias



para Fausto Valle,
vivo ou morto



tantas batalhas
velhas histórias
os amigos que partiram
ainda tão vivos na memória

memórias
memórias
memórias
memórias

e o mistério de um sol sempre poente
absolutamente insano como o oceano
desconcertantemente lógico como as

memórias
memórias
memórias
memórias

eu creio que por pouco não sei quanto
talvez em Ítaca se encontre a proporção
conquanto eu prefira a inexatidão exata das

memórias
memórias
memórias
memórias

dissolverei em barro a angústia hereditária
que aprendi a moldar noutra metáfora
a máquina de criar quando se apagam

memórias
memórias
memórias
memórias


Fred Matos

sexta-feira, junho 18

modinha catarina



Junho é um mês riquíssimo. Dia 9 foi o Diladay, dia 16 o Bloomsday, dia 17 o Isisday e hoje é o Ninaday, motivo pelo qual repito a publicação do poema que dediquei a ela.


para nina rizzi, poeta que é
amiga também



foto: Mário Cravo Neto


um bosque de pedra e de espinhos
no rubro raso cáustico da catarina
é a parte que me cabe no paraíso
que a brisa do brasil não beija nem balança
mas boceja sob um anil eternamente estio
que nenhuma nuvem pastoreia
e onde homem algum com algum juízo
ergue casa, cria bode, semeia

mas se tocou-me − e tocou-me de meia −
ao sócio crédito rural, a mim a areia
deste bosque esquecido de verde e de água
é minha, não dele, a maior riqueza:
os diamantes cintilando no céu da madrugada.

é então que da minha alma ressequida
esvaecem as trevas e toco na velha viola
esta modinha que celebra a minha vitória


Fred Matos

quinta-feira, junho 17

mantra





para Isis


este frio que cresce no meu plexo
é léxico de uma língua antiga e rara
almenara tatuada na minha pele

a noite é de lã um manto negro
o meu mais cálido agasalho
de saudades e ausências salpicado

nenhuma palavra perfura o aço
nenhuma açoita o tempo
nenhuma funda a eternidade

mas aquele léxico diuturno
forasteira luz do meu vocabulário
penetra cada fresta do manto

e canto um monótono mantra
trama sânscrita desta escrita
negra etérea noite infinita.


Fred Matos

quarta-feira, junho 16

bloomsday



não sei quem é o autor deste retrato de Joyce



Hoje é feriado na Irlanda. Acho que o Bloomsday é o único feriado dedicado a uma obra de arte. A data homenageia o romance Ulisses, de James Joyce, que relata a odisséia do personagem Leopold Bloom durante 16 horas do dia 16 de junho de 1904.



bloomsday
[para James e Nora]

enquanto em Dublin os rins de Joyce
eram servidos no Bloomsday
meu fígado estava sendo consumido
em ordinário prato de flandres

não vale a pena ir adiante
quando se crê o mundo perdido
na cega idolatria que eu sei
e não me será imposta a coices

na sobremesa uma fatia de doce
no jantar um novo Decreto-Lei
será inevitavelmente digerido

à noite uma leitura narcotizante
depois o nó górdio de Alexandre
e o oriente ao ocidente submetido

não preciso que se entenda o que digo
nem saber se a estupidez se expande
nas fronteiras além do meu umbigo

ah! aqui faz um belo domingo
somente isto deveria ser importante
não a lembrança de um junho antigo

que, contudo, não me saí da cabeça
porque meu fígado foi digerido
no balcão de um pub irlandês:

Leopold Bloom estava bêbado
e berrava para que todos ouvissem:
“ah! como é gostoso o meu Ulisses”

quando acabou o estoque de uísque
bebeu o meu sangue numa taça
e no meio do disse-que-disse
ainda queria que eu sorrisse

mas não me tirou a mordaça


Fred Matos

segunda-feira, junho 14

infância





ilustração: Jan Saudeck


escrevi este poema com os silêncios
que sobraram no sótão
onde
na infância
escondíamos as sementes
apanhadas nas frestas
dos paralelepípedos polidos
de uma rua úmida
coalhada de borboletas
sóis siameses
e anos luminosos
deliciosamente nossos
ossos nus nações limítrofes

e repito tal mantra um verso apenas:
nada é vão.


Fred Matos

domingo, junho 13

sol rumo ao sono



ilustração: Alessandro Bavari


"sol rumo ao sono, sombras sobre o oceano"

Homero
do Canto 11 da Odisséia

tradução: Augusto e Haroldo de Campos
e Décio Pignatari, via Ezra Pound





quando eu estiver batendo os pinos
com a boca banguela, gordura na pança
das paixões só me restarem lembranças
escreverei os meus versos alexandrinos

mas é preciso antes ter perseverança
para estudar a métrica da idade média
e outras tantas regras que a enciclopédia
informa que tiveram origem na França

não creio porém que seja uma tragédia
abandonar no fim da vida os versos livres
pior será não mais gozar dos dias incríveis
que tornaram a minha vida esta comédia

perdoe-me, Homero, se no dístico o profano:
sol rumo ao sono, sombras sobre o oceano.


Fred Matos

sábado, junho 12

libertas philosophica



ilustração: Yang Xueguo
"

"Ainda que isso seja verdade, não quero crê-lo;
porque não é possível que esse infinito possa ser compreendido pela minha cabeça,
nem digerido pelo meu estômago..."

Búrquio, num diálogo de G.Bruno,

in"... do infinito, do universo e dos mundos", 1584



“Talvez vocês, meus juízes,
pronunciem esta sentença contra mim
com maior medo que o meu em recebe-la."

Giordano Bruno





Em 17 de fevereiro de 1600
Giordano Bruno ardeu na fogueira
por “verdades” na qual poucos acreditavam
Quatro séculos se passaram
mas há ainda quem crê
em “verdades” absolutas

Fui à cozinha e encontrei
um copo meio cheio, meio vazio
e me lembrei da canção de Gil
e que o copo vazio
está cheio de ar

E para qualquer lugar que eu olho
vejo “verdades” que outros não vêem:
um gato com asas
peixes que falam
deuses que dançam

E se abro os olhos
vejo um céu laranja sorrindo
o sol tomando cola-cola
tiroteio no pátio da escola
professores pedindo esmola

Mas falemos de coisas sérias
falemos de futebol
de mulheres frutas
da falta que nos faz
melado com rapadura

Quatro séculos se passaram
desde que Giordano Bruno
queimou no Campo dei Fiori
mas os donos da “verdade”
empunham ainda as suas tochas

Não tenho dúvida que estou louco
escrever versos é um forte indício
Digo coisas que outros não dizem
mas me expulsaram do hospício
por ver coisas que eles não vêem

Mas falemos de coisas sérias.


Fred Matos

sexta-feira, junho 11

diálogo




Por falta de texto novo, trouxe este diálogo com a minha amiga Carla Luma, do blog lua azul:

O primeiro poema é de Carla, que o postou como comentário ao meu poema sonata sonolenta , publicado aqui no blog no dia 8 de Abril.
O segundo é a minha resposta


Carla Luma:

Decifra-me ou te devoro
te devorarás se me decifras

Qual palavra não se diz,
porque dita contradiz-se?

Lançaste-me pistas falsas
ou não há pistas,
apenas mentiras?

E dando o não dito por dito
e o dito por vice-versa:
qual o enredo data peça?


Fred Matos:

Decifre-te a ti mesma
pois decifrar-me é vão

A palavra que não se diz
desdita não a encubro

As pistas estão contudo
inscritas e verazes
nas próprias perguntas que fazes

E dando o dito por explícito
e o implícito no último ato
não escrevo pra teatro.



terça-feira, junho 8

três poemas para Lick



com amor, no dia do seu aniversário




amalgama

sempre te amei
como se o orvalho
acarinhasse a flor
antes da alvorada
e pingasse mel
sobre dálias nuas
e as minhas mãos
estivessem nas tuas
tal teus meus olhos
amalgamados
na órbita da lua.


pinga, beijos, abarás e chocolate

nem um milhão de abarás
vale tanto quanto o teu sorriso

por ele tenho um sonho nos olhos
e na linha do horizonte posso ver
o vento carregando a chuva
vindo regar nosso canteiro

sinto o sol mornando a pele
e pão na boca de toda gente

e pinga da boa

que nem de pão somente
faz-se uma boa refeição.

nos lábios tenho uma canção
que ecoa na serra das almas
e na alma da civilização

e enquanto este dia não vem
na escuridão da noite
o que me abate
é o cotidiano combate
em cujas tréguas trocamos
beijos ardentes
e chocolate


um pouco de jazz

trouxeste-me um sonho
tatuado na pétala alva
que envolve tua utopia
tomei-o para mim
tal tomaria se fosse
filho dos teus desejos
mecha dos teus cabelos
ruga da tua face
é um sonho tranqüilo e risonho
que nem desperto se desfaz
um sonho de matizes verdes e azuis
agora
porém
um pouco de jazz





pesquisar nas horas e horas e meias