fortuna crítica - poesia

Anomalias




O ser humano, na ânsia de sua liberdade pessoal, passa por cima de tudo até chegar ao convencional estabelecido para derrubá-lo. Movido não por uma sanha de destruir por destruir apenas, senão pela possibilidade de exercitar o arbítrio, que o leva à constatação, de que ele pode ou não divergir do conjunto de normas que a sociedade, na qual está inserido, lhe impõe.


Isto corre paralelo à construção de sua geografia pessoal, seu espaço vital, onde ele esperaria ser o senhor do mando e dos desmandos, do construir-destruir, administrador absoluto desse território. Sabemos que, na prática, essa intenção lhe escapa. Exatamente pela presença do Outro, que também se quer e se faz trans(a)gressor.


A matéria é recorrente no estudo de filosofia, psicologia e da antropologia culturais. Heidegger, Dilthey, Foucault, Freud, Jung, From, Lacan, (para ficarmos somente nestes), se dedicaram exaustivamente ao tema.


Mas o que tem a ver este preâmbulo, com o livro Anomalias do poeta Fred Matos?

Primeiro, pelo próprio título já emblemático. Segundo, pela sua condição de poeta, transgressor dos transgressores entre todos. Não fora o onírico, matéria essencial dos seus afazeres. Por fim, a própria fatura do poeta que corta no figurino enviesado confrontando o que se convencionou como ‘normalidade’.


A poesia não se constrói apenas ao sabor dos ‘bons’ ditames da sociedade, mas sobretudo nos escaninhos mais sombrios, nas posturas mais afastadas ao pensamento comum. Vide Rimbaud, Villon, Oscar Wilde, os poetas ditos malditos, incluindo também brasileiros como Sousândrade, Augusto dos Anjos, Gregório de Matos Guerra, e até os contemporâneos Roberto Piva, Glauco Mattoso e Sylvio Back para ficarmos somente nesses três.




Anibal Beça









O ser humano, na ânsia de sua liberdade pessoal, passa por cima de tudo até chegar ao convencional estabelecido para derrubá-lo. Movido não por uma sanha de destruir por destruir apenas, senão pela possibilidade de exercitar o arbítrio, que o leva à constatação, de que ele pode ou não divergir do conjunto de normas que a sociedade, na qual está inserido, lhe impõe.

Isto corre paralelo à construção de sua geografia pessoal, seu espaço vital, onde ele esperaria ser o senhor do mando e dos desmandos, do construir-destruir, administrador absoluto desse território. Sabemos que, na prática, essa intenção lhe escapa. Exatamente pela presença do Outro, que também se quer e se faz trans(a)gressor.

A matéria é recorrente no estudo de filosofia, psicologia e da antropologia culturais. Heidegger, Dilthey, Foucault, Freud, Jung, From, Lacan, (para ficarmos somente nestes), se dedicaram exaustivamente ao tema.

Mas o que tem a ver este preâmbulo, com o livro Anomalias do poeta Fred Matos? 

Primeiro, pelo próprio título já emblemático. Segundo, pela sua condição de poeta, transgressor dos transgressores entre todos. Não fora o onírico, matéria essencial dos seus afazeres. Por fim, a própria fatura do poeta que corta no figurino enviesado confrontando o que se convencionou como ‘normalidade’.

A poesia não se constrói apenas ao sabor dos ‘bons’ ditames da sociedade, mas sobretudo nos escaninhos mais sombrios, nas posturas mais afastadas ao pensamento comum. Vide Rimbaud, Villon, Oscar Wilde, os poetas ditos malditos, incluindo também brasileiros como Sousândrade, Augusto dos Anjos, Gregório de Matos Guerra, e até os contemporâneos Roberto Piva, Glauco Mattoso e Sylvio Back para ficarmos somente nesses três.

Anibal Beça


POESIA DE FRED MATOS – UMA LEITURA

«Falar de um poeta é reenviar o eco atenuado da particular música que a sua poesia deixa em nós.»

(Eduardo Lourenço, Tempo e Poesia)

Que discurso seria o ideal para escrever acerca de um poeta, retendo o essencial do seu universo poético, quando o labirinto das imagens, dos temas e dos estilos resiste a toda a tentativa de categorização? Quando a sua poesia foge a integrar-se em cânones, antes se joga em influências diversas – recusando esgotar-se nelas – desde o lirismo tradicional até à herança clássica, do experimentalismo ao modelo discursivo, sempre apurando a perfeição formal, mas guiada pelos seus próprios desígnios, nos quais uma enorme liberdade, tal como uma finíssima intuição, parecem ter a maior parte? Ler, e reproduzir o fruto dessa leitura, é um processo de segmentações que forçosamente desvirtua a coesão do universo poético. E, no entanto, como aventurar-se no labirinto, sem um fio de Ariadne?

Anomalia, que dá título à mais recente colecção de poemas de Fred Matos, pode ser esse fio. Vocábulo emblemático pelo lugar central que ocupa e pela sua frequência metafórica, relaciona-se com o motivo da desconstrução do Eu e da busca de identidade:

Na anomalia
de volver-me todo o dia,
como quem quer encontrar
lucidez onde é loucura,
Desconstruo o que me fiz
quando perdi as fantasias...

A busca de si mesmo exige o desdobramento, a construção de um duplo – Narciso fitando-se nas águas – e a cisão daí resultante arrasta por vezes o sujeito a um pessimismo nihilista, em que anseia pela morte como única solução para a contradição da consciência:

um dia virá quando, enfim,
no mergulho mais profundo
poderei comungar comigo
a paz de não ser nada.

Por outro lado, a imagem especular pode tornar-se factor de alienação, se Narciso ceder ao fascínio do próprio retrato:

O espelho, águas calmas, guarda,
doce, a imagem reflectida,
e o segredo do amor que me consagro.

Voluptuosamente abraço-me líquido
(...)

Somente eu posso amar-me absolutamente
E dedicar-me completa exclusividade.

É pela ironia, factor de distanciamento, que se escapa à alienação narcisista, ao mesmo tempo que se evidencia um certo carácter lúdico presente em todo este processo:


Assim cindido,
caminho trôpego,
cingindo signos,
fingindo esforço
E nada tendo
de mais estulto
para brincar
deixo estar

Esta dimensão lúdica é particularmente evidente em “Carnaval”, onde o sujeito encarna a sua dualidade como se de uma festa de máscaras se tratasse, permitindo a actuação simultânea das forças de alienação e de identificação, instaurando o poder mágico da palavra que se liberta em irrepremível energia juvenil: “A festa não pode acabar.”

A cisão do Eu revela-se também em pares de opostos recorrentes (e equivalentes) -- noite-dia, sonho-vigília, sentidos-razão, poeta-homem, passado-presente – desenhando o paradigma da busca de uma completude essencial. O drama psicológico ganha assim dimensão ontológica, relevando da angústia, inerente ao ser humano, que o leva a perseguir respostas capazes de minorar o paradoxo do tempo e da frustração. Em “Covardia” e “Dividido”, a noite é o tempo privilegiado do encontro consigo, com os sonhos e com “os desejos a fogo e ferro sofreados”, tal como a poesia é o lugar onde o Eu vive a sua plenitude e recupera o rosto que a máscara do quotidiano e a usura do tempo ocultaram:

Dividido entre o homem e o poeta,
Um que é bicho, outro profeta,
Um que sonha, outro razão
(...)

Ao poeta toca as noites
(...)
Ao humano é quem cabe o pecado,
Ao poeta só cabe ilusão.

A cisão entre o ser do passado e o ser do presente transparece de forma notória em poemas como “Meu Passado”, “Quem souber me dê notícias” ou “A Reconstrução do Sonho”. Se no primeiro e no segundo a biografia falha enquanto elemento chave da identidade, (Onde perdi os sonhos da juventude?/ Onde a inocência agora se esconde?/ (...) Não eram estes teus projectos, meu passado./ Passaste por mim no fugaz instante/ em que fui feliz e tu enfado.), no terceiro, a biografia é equacionada pelo encontro dos seus três eixos, passado, presente e futuro, restaurando-se assim o tempo fracturado:


Hoje é a última noite
De sonhos adiados
Do poeta que não se fez.

A experiência do tempo pode ainda ser recobrada como uma subjectividade dispersa em pedaços, “estilhaços de mim / no esquecimento” (Asa do Charco), “meros fragmentos / até então de mim ocultos” (Descaminhos) que só a criação poética pode despertar do fundo da memória, dando-lhes relativa coerência. Outros poemas, como “Minha Nova Cara”, partem do anedótico individual para, em suave ironia e aceitação de si, exprimirem a vivência do tempo humano:

mas porque gosto da surpresa diária
de acordar, envelhecer, fazer a barba
e no espelho descobrir minha nova cara.

O tempo do Homem ganha uma outra dimensão em “2001”, poema em que a situação lírica individual é transportada para o drama de um protagonista intemporal que deixa ouvir o seu lamento, o lamento de uma consciência individual e sofisticada que se projecta na História. Partindo de uma cuidadosa selecção dos nexos (históricos e/ou míticos) mais determinantes para a construção da consciência ocidental, o poema explora as coincidências espácio-temporais segundo as quais “é justo” que aquela personagem, entre todas, assista ao final das idades:


Estranho, justo eu,
Estar aqui neste tempo,
Neste dois mil cristão

Mesmo no final de todas as coisas, o sujeito permanece o estranho, adequando-se, portanto, ao fardo que lhe cabe, o de contemplar o absurdo e a vacuidade do esforço humano. E de novo o problema da consciência de si, enquanto ser anómalo e descontínuo.


Segundo Bataille, a paixão amorosa é justamente a substituição desta persistente descontinuidade por uma maravilhosa continuidade entre dois seres, capaz de os libertar da nostalgia e da solidão:

Não vou ver vir
Quem vem em vão
Por crer que não
Vale criar nem rir
E diz que é triste
A razão e que
O amor não existe
(...)
todas estas festas
nestes todos dias
quando me vi viver
volvendo cada
íntima fibra do arco
coração corda tensa

Necessariamente, o fim da relação, seja pelo tédio, seja pela perda do ser amado, representa o regresso ao isolamento e aos limites estreitos do quotidiano. Sem poder afirmar-se que o lirismo amoroso de Fred Matos percorra de modo linear estes dois pólos, eles no entanto estão presentes, seja na delicada sensualidade de “ Praiana”, no canto magoado de “Nada que mais que um sonho”, no jogo domínio-submissão de “Rendição”, no júbilo de “Não vou ver”, no discreto voyeurismo de “Gruta”, ou na amargura de “Tédio”:

Trouxe-lhe flores amarelas,
eram belas mas não foram solução
Queimei incenso, toquei um tango,
escrevi poemas, tudo foi vão.
Assim celebro nossa união
neste poema que não vela nem revela
que o que não dura é a paixão.

Encenando um ritual da sedução – as flores, o incenso, o tango, os poemas – destaca-se-lhe de imediato a inutilidade, seja porque o objecto de sedução não se deixou seduzir, seja porque, deixando-se, ficou aquém das expectativas do sujeito. E a relação é denunciada pelo termo “união”, aqui de sinal profundamente negativo, sugerindo grilhões, monotonia. Também a rima interna, amarelas/belas, resvala da doçura inicialmente sugerida para os cambiantes agoniativos do tédio. E todo o poema se fecha, à imagem da união aqui celebrada, na dureza dos fonemas oclusivos.

A riqueza melódica, aliás, bem como um raro sentido da rima e do ritmo, são uma das características mais notáveis deste poeta. Veja-se, por exemplo, “O que eu vou fazer hoje?”, “Onã” ou “Cantiga Antiga”. No primeiro, através de simetrias sintácticas e rítmicas, constrói-se uma toada rap – marcada, coloquial, obsessiva – encenando, de forma enganadoramente ingénua, a busca de um sentido para a vida.

Em Onã, associa-se a toada lírica e doce da tradicional redondilha menor aos múltiplos jogos de sons, rima, aliterações, assonâncias, sugerindo sentidos nocturnos e íntimos, construindo, no plano melódico, a “cantilena” que, sendo ritmo, é também movimento:

Tinta, tanta cor
Trama tantra yoga
Joga o jogo chão
E a luz me afoga.
Segue a cantilena
À pele morena
Quando a mão afaga
E o falo fala.

“Cantiga Antiga” é a expressão desses estados de espírito subtis e quase inexprimíveis a que a música pode conduzir-nos e em que se misturam fragmentos de memórias que a própria música acorda e que talvez não existam fora dela. Memórias auditivas, visuais, emocionais:

Havia, quando ainda havia,
ávida de amor, uma menina
na geografia do seu corpo...
[ Pausa para um copo de vinho
e acordes de violinos.]

Começam por ouvir-se os violinos nas vogais fechadas, nas semi-vogais, nas consoantes fricativas. Sons agudos, líquidos, nostálgicos. Entra o piano, como um clair de lune, nas vogais abertas e médias, nos sons nasais. Juntam-se as flautas, miragem acústica na aliteração da fricativa e das sibilantes. E ao estado de “rêverie” a que música induziu o sujeito, sucede-se um regresso duríssimo à realidade presente. Por fim (e “rufam”, nos ditongos nasais e na constritiva vibrante, “os tambores”) encerra-se o poema, e sem solução, dada a impossibilidade de recuperar o tempo em que "havia", ou mesmo de fazer durar a evocação pela magia da música.

A música, o amor, ou, de uma forma insensata, o mundo às avessas do carnaval, podem ser respostas para o problema do Eu em busca de si mesmo. Mas, como se viu, a anomalia existencial permanece, latente. E permanece porque a unidade assim reencontrada é fugaz e frágil, como o denuncia a consciência que, numa espécie de platonismo, descobre que aquilo que alcançou mais não é do que o reflexo sensível do plano ideal pelo qual se anseia. Por fim, resta a Poesia, o lugar da unidade reencontrada, o espaço da utopia.

Eugénia de Campos



sem anomalias
“As memórias que resgato
quase nunca são de fatos,
mas do que poderia ter sido”.

(Matéria-prima)

Assim Fred Matos dá a partida em sua coletânea de poemas, prestes a vir a lume. Depois de mais de sessenta títulos, declara em FIM, o último poema do livro:

“Tudo está dito
e contradito
exceto
quem sou,
o que penso
e, ou, sinto”.

Expôs o poeta, em matéria-prima, a essência de seus temas para, ao final, declarar-se ignorante de si mesmo, alegando não ter dito (ou não saber) quem é, pensa e, ou, sente. Não há poema isento, no entanto. Há é o homem a seguir a trilha existencial, de inumeráveis sombras, asfixiadas e asfixiantes, ou também de manhãs lúcidas, de maravilhosos portais, como já disse outro poeta, Alphonsus de Guimaraens Filho. O poeta e o poema estão juntos, incorporados. Não há poema isento, portanto. Os poemas desse poeta baiano não fogem à regra, estão vinculados ao homem Fred, sua experiência, seus sentimentos, sua filosofia de vida, não necessariamente porque os experimenta, mas porque os olha com olhos de poeta, através da sua própria lente.

Fred Matos descobriu o grão da palavra e elabora versos numa contenção adequada à expressão de seus temas, sem a grandiloqüência vazia de muitos poetas. Há o cuidado com a forma e o ritmo, adaptando-os naturalmente ao universo temático, simples e complexo ao mesmo tempo, pois expressa sentimentos universais presentes em qualquer cultura. Seus versos são sóbrios, no sentido mais alto de comedimento, de respeito ao trato com a palavra, que utiliza com segurança e maestria.

Em sua linha poética, nesse livro que ora lança (anomalias), não privilegia nenhuma escola ou modismo. Na aparente heterogeneidade dos poemas, uma leitura apropriada e cuidadosa, como deve ser a leitura de poesia, deixa á mostra o denominador comum de seus versos: a vida, em variadas expressões de amor, de solidão, de aturdimento perante a existência. “O sentido da vida, se é que sentido há, é passar”, diz o poeta. Isto é, viver ao sabor da brisa ou levado a favor da corrente, o que não significa alienação ou imobilismo, mas uma atitude filosófica no sentido de não agredir o curso natural da existência. Deixar que a vida flua como um rio, porque o rio sabe o seu caminho -- e fruir a vida sem alterar-lhe o ritmo.

Outras vezes, busca o conhecimento dos fatos no silêncio, à procura da voz interior, no intuito da compreensão ( silenciemo-nos ) do ser humano. Em cabala (“Há a nos unir/ fantasiosas lembranças/ e a diversa arquitetura/ entre grutas e lanças”) e onã, o erotismo, presença indispensável em toda boa poesia, aqui aparece em imagens rítmicas de bela composição.

O poeta Fred Matos, particularmente no poema solidão (antológico), explora o sentimento que mais aflige o homem, em sua caminhada pela existência. Bom lembrar Rainer Maria Rilke, que diz ao seu correspondente (Cartas a um Jovem Poeta) para amar a solidão, suportar as penas que dela vierem, e, se essas penas lhe arrancarem queixas, que sejam belas estas queixas.

Nos guardados da casa o poeta, não sem lágrimas, esvazia “os armários, atulhados de ontens, para dar espaço ao novo”. O espaço interior de um armário é um espaço de intimidade, um espaço que não se abre para qualquer um (Gaston Bachelard). E o poeta o abre para o leitor.

Ao me honrar com o pedido para escrever sobre o seu livro anomalias, Fred Matos tornou-me seu cúmplice. Sou um ávido leitor, não um conhecedor apto a fazer análise apropriada de poesia, mas sei reconhecer as trilhas que a poesia encontra para se manifestar. E as trilhas que Fred Matos oferece às musas são seguras e firmes, de quem conhece o oficio.

Em anomalias não há irregularidades, como poderia sugerir o título, mas uma seqüência de bons poemas, dos quais salientei alguns deles, aleatoriamente, para não privar o leitor do prazer da leitura.

Fausto Rodrigues Valle
Goiânia - Goiás



Resenha
nave das palavras
Edição nº89 - 13/09/02
Resenha da Obra "Anomalias", de Fred Matos
"Anomalias"
Fred Matos
Goiânia: Editora Kelps , 2002 - 94p.
(contato com o autor: cfmmatos@terra.com.br)

"O sentido da vida / se é que sentido há,/ é passar. "Passar adiante, passar o tempo, inventar o passado lúdico, alegre, triste e tornar possível o presente. Inventar "memórias / de tempos que ainda não são".
O poeta para fugir do caos da realidade, inventa no texto poético uma existência que um dia o destino vai imitar. "As memórias que resgato / quase nunca são de fatos". São brincadeiras com as palavras e o sentido das coisas e da condição humana. Assim Fred Matos começa seu novo livro ANOMALIAS interrogando a matéria-prima dos poetas: a memória. Penso em Bachelard, "a leitura dos poetas é essencialmente devaneio" Poeta de muitas influências ou de nenhuma, mesclando estilos, transitando por labirintos literários distintos. Um poeta intuitivo, despretensioso. Mas uma intuição de quem passou a infância escutando conversas literárias que agitavam as madrugadas de adultos, filho de escritor, aprendeu cedo o destino de poeta, a olhar o drama existencial com a psicologia da poesia. Cruzou outros caminhos, fugiu, tentou viver outras ficções, mas como se o destino estivesse escrito na palma da mão e fosse incorrigível, a poesia retornou depois de muitas vivências, "como querendo encontrar / lucidez onde é loucura / desconstruo o que me fiz / quando perdi as fantasias". Perder as fantasias quer dizer driblar a realidade moderna onde os valores são trocados e substituídos na sobrevivência imposta pelo capital. Na heterogeneidade de estilos dos poemas de ANOMALIAS, o poeta ao mesmo tempo em que expõe uma inocência como as adolescentes de outrora que acreditavam na virgindade como um valor, se mostra desconfiado diante de uma realidade sem lugar para poesia. Mas sem o exercício insistente do poeta o que seria do mundo? Fred tem consciência disso no seu fazer intuitivo e se há sentimento na poesia, ele é universal. Retira-se no final comprometendo ou convidando o leitor a pensar. "Tudo está dito / e contradito / exceto / quem sou". O poeta quer retirar do mundo a existência e deixar a poesia ou quem sabe a fantasia perdida.
Manias de poeta.

Almandrade



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