Nunca estivera tão aprumado: a barba aparada, a cabeleira domada untada com banha de porco, o paletó engomado, gravata, braços cruzados sobre o torso, estirado a fio sobre a mesa da sala, perfeitamente ajustado ao ataúde de pinho cru. Ninguém imagine que possa chegar uma amante trazendo bastardos tumultuando o velório. Disso não se cogita, mesmo não tendo sido santo. Da viúva nenhuma lágrima ainda, ocupada com a tarefa de receber e acomodar as visitas.
- Um rabo-de-galo, compadre? Se sirva, faz favor.
- Com gosto, comadre. Era a preferência do finado. Ainda me lembro do dia...
O resto ela já não ouve, tanta gente chegando.
Casa acanhada. Sala pequena. Alguns preferem o sereno, lado de fora, tamboretes emprestados pelos vizinhos. No escurão, noite nublada, lua nova, lume só das brasas dos cigarros e uma réstia tênue da lamparina da sala escapando pela fresta da janela.
- Parece velório de rico.
- Era muito querido.
- E prestativo.
- Me ajudou na cumeeira.
- A mim em muitos serviços.
- Quantos anos?
- Morreu moço.
- Quem diria? Ontem mesmo, vendendo saúde, arou a roça, plantou milho, bebeu pinga, jogou sinuca, contou lorota, saiu sorrindo.
Da cozinha o chiado do bule, o cheiro do café moído na hora.
- A comadre, coitada, tantas crianças, todas miúdas.
- Injustiça de Deus.
- Bate na boca.
- Ó vida tirana.
- Amanhã venho carpir
- Eu disse uma reza.
- Mais uma, compadre?
- Branquinha, comadre.
A noite avança. Uns saem sem despedidas, outros um até amanhã. A sala esvaziando. Agora, sozinha, o dever cumprido, crianças na cama, ela já pode chorar.
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