quinta-feira, outubro 9

Meu eu lírico atormentado - Anísio Lage

Anísio Lage ©

Dedicada ao poeta lírico Fred Matos

ilustração: foto de Luc Selen



A chuva parou.
Na vidraça, gotas d’água,
regidas por um invisível maestro,
soltam-se de repente e
uma após a outra, escorrem.
A princípio lentamente.
Depois, engolem outra e outra
no caminho e rapidamente...

          A morena disfarçada
          cruza a perna e a saia roxa
          sobe um palmo e a malvada
          mostra uma lapa de coxa
          e perco o fio da meada


Abrem a janela.
Entra uma lufada de vento.
Neste momento,
o candelabro de cristal inicia
a tocar uma suave melodia.
Os cristais dançam e reluzem
embalados pela brisa
e uma mariposa tardia...

          A morena, disfarçada,
          se abaixa de tal jeito
          que o decote da danada
          abre e eu vejo um par de peito
          e perco o fio da meada


Lá fora, soa lúgubre
uma sirene rasgando
o silêncio da madrugada.
Passos, gritos, correria,
mais uma tragédia humana
induz-me a pensar na fragilidade
da vida, da morte leviana,
da ameaça sombria...

          A morena, disfarçada,
          todo o salão enche, inunda
          com uma dança rebolada
          e o tamanho da bunda
          e perco o fio da meada


Agora meu peito crepita
com o fogaréu de um desejo
meu corpo todo se agita,
Quero mandar-te um beijo
quando ela, de repente me fita.
Mas, ao lado, o garanhão
não descuida um instante
mando-te um bilhete então:

          Querida meu coração
          anseia ser seu amante...




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