domingo, outubro 5

missão secreta


ilustração: Salvador Dali


aquele que fui ontem e em outra circunstância
do qual resta ainda substância e aparência
cansado da renitente estupidez humana
abdicou e me deixou a herança
de amanhã ser outro posto que passarei
como passou aquele que é lembrança
não pelo que foi mas pelo que não serei

e quando à terra tornar meu corpo
e secarem dos meus as lágrimas sinceras
terei cumprindo enfim minha missão secreta
e só então assim se me revelarei
não pelo que sou mas pelo que não sei
porque quando o mistério me seria revelado
alguém entrou no quarto e eu acordei.



Fred Matos

6 comentários:

Anônimo disse...

Muito bacana!

Fred Matos disse...

Obrigado, Gerana.
Sua visita, leitura e comentário, deixa-me muito contente.
Beijos

Maria Azenha disse...

Gostei muito, Fred.
Que bom tornar a encontrá-lo .
Seu poema fez-me lembrar este outro de sua companhia, decerto...



"Seja falar, escrever, olhar sequer
Sempre inaparentes somos. Nosso ente
Não pode, verbo ou livro, em si conter.
A alma nos fica longe infindamente.
Pensamentos que dermos ou quisermos
Ser alma nossa em gestos revelada
Coração cerrado fica o que tivermos,
De nós mesmos é sempre ignorada.
Abismos de alma intransponíveis
Por pensar ou manha de o parecer.
Ao mais fundo de nós irredutíveis
Quando ao pensar o ser queremos dizer.
Sonhos de nós, as almas lucilantes,
E duns pra outros sonhos doutros antes."

Fernando Pessoa in poemas ingleses
Trad. de José Blanc de Portugal

Beijos,

mariah

Fred Matos disse...

Não posso desejar elogio maior que um poema meu lembrar um de Pessoa.
Obrigado, Mariah.
Beijos

Anônimo disse...

Os sonhos são a ligação do homem ao correr do eterno.

Este poema, é uma das suas manifestações.

Obrigado.

Fred Matos disse...

Eu que sou grato, pela visita, leitura e comentário.
Abraços

pesquisar nas horas e horas e meias