quarta-feira, outubro 1

poetas de outras horas - Pedro Kilkerry


É o Silêncio...





ilustração - foto de Mário Cravo Neto


É o silêncio, é o cigarro e a vela acesa.
Olha-me a estante em cada livro que olha.
E a luz nalgum volume sobre a mesa...
Mas o sangue da luz em cada folha.

Não sei se é mesmo a minha mão que molha
A pena, ou mesmo o instinto que a tem presa.
Penso um presente, num passado. E enfolha
A natureza tua natureza.
Mas é um bulir das cousas... Comovido
Pego da pena,iludo-me que traço
A ilusão de um sentido e outro sentido.
Tão longe vai!
Tão longe se aveluda esse teu passo,
Asa que o ouvido anima...
E a câmara muda. E a sala muda, muda...
Àfonamente rufa. A asa da rima
Paira-me no ar. Quedo-me como um Buda
Novo, um fantasma ao som que se aproxima.
Cresce-me a estante como quem sacuda
Um pesadelo de papéis acima...

E abro a janela. Ainda a lua esfia
últimas notas trêmulas... O dia
Tarde florescerá pela montanha.

E ó minha amada, o sentimento é cego...
Vês? Colaboram na saudade a aranha,
Patas de um gato e as asas de um morcego.




Pedro Kilkerry, um dos grandes nomes do simbolismo brasileiro, nasceu em Santo Antônio de Jesus, na Bahia, em 1885 e morreu vitimado pela tuberculose, em Salvador, em 1917. Kilkerry não deixou livro publicado. Alguns dos seus poemas, entretanto, foram incluídos no “Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro” organizado por Andrade Muricy, publicado em 1951. A sua obra foi resgatada pelo poeta Augusto de Campos que a publicou, em 1970, no livro “ReVisão de Kilkerry”


Nenhum comentário:

pesquisar nas horas e horas e meias