sábado, novembro 8

Atmosfera - Daniel Francoy

Daniel Francoy ©

ilustração: foto de Mário Cravo Neto


É desde a idade mais nostálgica que sangro,
E se eu sangro
Sangro pois ainda fede e fascina a primeira menstruação
E ali, ao final do beco, dou fim à minha náusea
Junto a imagens de quarto infantilmente decorados...
(Ainda domésticos)
Afogar-me em virgens sarjetas: é o que procuro,
Mas dispenso, contudo, aquelas que refletem as estrelas
Pois são elas que fazem mortíferos os desvios de caráter,
Carregando o pânico e a consciência das doenças venéreas.
Anseio, portanto, por águas mais turvas,
Águas que refletem uma inesperada perversidade.

Daqui observo aquela garota do Jardim de Infância,
Ela
Que em praça pública deveria ser exibida e guilhotinada,
E por serem olhos irredimíveis estes olhos que todos ostentam
(Ela também, com um digital olhar francês)
À ela escrevi um indizível futuro e um estranho epitáfio -
" E o que seria de tua pele se fosse eu o seu pai? ",
E se à ela eu peço o chicote
Ninguém poderá condenar este gozo encarnado.

Mas Deus! Como é fosca esta iluminação que me molda,
Chega a induzir ao tremor de quem tem a certeza de existir.
Agarro-me, portanto, a diversas manifestações
De tolice e de arrogância
Consciente de que nenhuma forma de suicídio é satisfatória:
Tão distantes, tão pouco messiânicas

Então o que me resta é aqui me prostrar e,
Atado à uma frenética masturbação,
As portas do gozo me espantar:
Pois são tão sólidas as nuvens,
Tão sólidas e tão áridas,
A aridez de retratos cinzentos, esfacelados...
Mas não! Ainda não é opressor este céu rasante

Há um fedor, é bem verdade, mas não sei é ele uma metáfora..
" Nada mais do que a cumplicidade? "
O fedor, sim, o fedor -
Ainda que brilhe ele como olhos brancos e gordurentos,
Ainda que eu vislumbre a disforme umidade de um rosto gordo,
Gordo rosto cujo tremer das velas faz inconstante
Ainda assim...
Nada mais do que a cumplicidade?...
E este gozo que hoje escorre pelos meus ombros
Faz de mim um homem mais velho, para sempre mais velho

E este gozo que hoje escorre pelos meus ombros:
Um dia eu o reencontrarei
E me dirá ele quem eu sou e quem eu sempre serei
Ele que deveria ser um amado herdeiro...
Mas como se eu continuo estéril?
Mas como?
Enfim, dentre doces e amargos devaneios,
Alça vôo o suspirar de olhos sóbrios
E ele estende-se até onde é muda minha alma.




Daniel Francoy, nasceu em 1979, é bacharel em direito e reside em Ribeirão Preto-SP. Começou a escrever em 2000 e participou da antologia “Quatro Poetas na Net”, da Editora Sete Sílabas, de Lisboa.


4 comentários:

maré disse...

"tão sólidas as nuvens"

trazem a sombra terrível
dos dias do mundo

a cor do chumbo

que é espanto

que é medo.

maré

Anônimo disse...

extraordinário e bom pra caralho
esse poema vive na minha praia
Fred te agradeço por abrir espaço
pruma nova linguagem poetica
abraço

Fred Matos disse...

Agradeço-te, Maré, pela visita, leitura e comentário.
Beijos

Fred Matos disse...

Vou aceitar o elogio em nome do Daniel. É um ótimo poeta e são extraordinários todos os poemas que conheço dele.
Obrigado, Iosif, sobretudo pela amizade.
Abração

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