sexta-feira, janeiro 23

inconvenientemente


Este poema, composto por dois sonetos, foi outro que sobrou na edição final do livro "Anomalias".



foto: Mário Cravo Neto


1

Quem é aquele louco que nos vê
como se visse em nós os seus fantasmas?
Parece sofrer o mal dos miasmas
das águas pútridas do Tietê.

Está sempre ali ao alvorecer
ralhando com as crianças por nada.
Parece que é sempre madrugada
na alma triste que demonstra ter.

Não fala com ninguém uma palavra.
Nunca com alguém trocou um sorriso.
Há no seu cenho um quê de aviso
para calamidade improvável.

No convés, inconvenientemente,
temos que conviver com tal demente.


foto: Jan Saudek


2

No convés, inconvenientemente,
o barulho das crianças persiste.
Não suporto a alegria quando é triste
o destino fatal que é iminente.

Não sei qual a graça de ser contente
quando é certo que tudo finda logo.
Por isso tenho o cenho frio e rogo
por dias tempestuosos e sem gentes

Incomodo-me porque insistem
nesta estúpida rotina matinal
de ver na alvorada um sinal
que lhes indique, que cá ou alhures,
há na rota desta nau um só norte,
que não seja o banquete da morte.


Fred Matos

10 comentários:

Mari Amorim disse...

Como sempre,post maravilhoso.
Parabéns,
abraços

Fred Matos disse...

Obrigado, Mari.
Beijos

gabi mo disse...

Triste, mas muito bom. Texto e fotos.

hfm disse...

Desculpa amigo sobrar isto:

"Incomodo-me porque insistem
nesta estúpida rotina matinal
de ver na alvorada um sinal
que lhes indique, que cá ou alhures,
há na rota desta nau um só norte,
que não seja o banquete da morte."

é um crime.

Um beijo.

Anônimo disse...

adoro o mau humor, sou o rei do mau humor, e você no 2 se supera
abraço

Fred Matos disse...

Contente por você gostar, Gabi.
Obrigado.

Fred Matos disse...

Pois é, Helena.
Você destacou um trecho que também eu acho bem conseguido, mas, no conjunto, sentia na época que faltava algo e eu não conseguia encaixar o poema na "trama" do Anomalias. Um outro fator: o primeiro soneto é uma tese (a opinião dos otimistas), o segundo a antítese (a visão dos mal-humorados, como o meu amigo Iosif que comentou logo após você), falta um terceiro que é a síntese, uma opinião de equilíbrio, que seria a minha, (conquanto Iosif pense que alinho com ele entre os de mau humor). Talvez Iosif tenha razão e seja este o motivo de que eu não tenha me animado a tentar escrever o terceiro soneto. Talvez faça-o um dia.
Obrigado, amiga.
Beijos

Fred Matos disse...

A resposta para Helena serve também pra você, Iosif.
Obrigado, querido.
Abração.

Maurício disse...

Você tem um bom projeto nas mãos, deve retomá-lo. Você já pensou em escrever para o teatro? Considere a hipótese.
Abç

Fred Matos disse...

Eu o faria, Maurício, desde que houvesse a possibilidade de levar ao palco.
Abraços

pesquisar nas horas e horas e meias