chove.
constatação necessária
se não sei das circunstâncias
do outro agora. aquele que será
quando. se você souber deste.
se não, não importa a torrente
nem existirá, por vão, o que aqui é,
onde não alcanço contrariar
minha natureza [e a da água feita fúria
rompendo entranhas sem delicadeza]
para sopesar cada palavra.
conselho seu.
há música: “bridge over troubled water”.
encontrei o cd de simon e garfunkel.
lembro-me lágrimas nossas
abraçados uma noite fria no central park.
lágrimas aparentemente paradoxais
de felicidade e melancolia.
não, a felicidade não é o riso gratuito,
a gargalhada fútil e fugaz. pode ser, sim,
um esgarçar das fibras tensas de uma ilusão.
já não há sonhos que nos una
desde quando me deixei ficar no tempo.
sentença sua.
foi forte e breve como a sua presença.
posso abrir a janela.
está feito.
ainda há música:
“the only living boy in new york”,
mas não há sol. o sol, a música,
aríetes dissipando ânimos e desânimo
é uma boa imagem, nem sempre solução.
não ouvirei o “réquiem” de mozart.
fiquei morto muito tempo.
ontem, embriagado,
queimei os meus poemas
[e no fogo
as metáforas fizeram-se belas
em luz e cinzas].
seria, pensei, libertar-me da âncora
das nossas memórias. ledo engano.
aqui estou agora resgatando-as.
para mim. exclusivamente para mim.
de você não sei sequer se vive,
além da que morreu
quando virou borboleta.
publicado em "anomalias".
editora kelps
setembro/2002
Ilustração: “A Borboleta” de Jorge Rosa, encontrada no site:
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