quarta-feira, setembro 24

solidão



ilustração: foto de Luc Selen ©



o tilintar dos talheres assinala
que está posta a refeição

a toalha da mesa não revela os cerzidos
onde o tempo e o uso esgarçou as fibras

difusa
a luz solar
vence a cortina que esvoaça

em vestígios de uma canção
que aos comensais passa despercebida
andrógina voz canta as vicissitudes da solidão

a senhora tece comentários domésticos
aos quais o esposo assente cabeceando
olhos postos nos próprios pensamentos
ensimesmado num mundo
em tudo diferente deste
onde autômato mastiga engole bebe e concorda
pela conveniência de não imiscuir-se no que considera irrelevante

a mulher fala do factual

alheio
o homem delira
e pede a sobremesa.




Fred Matos
publicado em "Anomalias".
Editora Kelps
Setembro/2002

2 comentários:

Anônimo disse...

Lembrava-me bem deste poema, Fred. Tão bem exprime o desencanto, a usura dos dias...
Beijo grande

Fred Matos disse...

Na falta de novos poemas, vou colocando os velhos, quem sabe seja gatilho para voltar a escrever.
Obrigado por vir e comentar.
Beijo-a

pesquisar nas horas e horas e meias