quarta-feira, outubro 22
enquanto nos é dado viver
ilustração: Isabel Santamarina
seis mil dracmas
um talento
vinte e um mil e seiscentos
gramas de prata
conversa que não ata
nem desata
não sei nada mais que desatinos
pesos medidas moedas
macerar palavras
moer livros
mover calendários
misturar texturas
montar quebra-cabeças
mitigar dúvidas e certezas
maturar momentos
machucar sílabas
macular mitos
manipular possibilidades
mentir poemas
são tantos os destinos
a nenhum me ato tolo totalmente
talvez não me baste um sentimento
talvez não me baste um raciocínio
talvez não me baste uma piada
talvez não me baste ser humano
talvez nada me baste porque sou um traste
triste quando é conveniente entristecer
alegre porque a alegria é contagiante
e gosto de sorrir intimamente e de pensar
que somos todos insignificantes
não obstante os sonhos que sonhamos
os ideais que cultivamos
as esperanças que nutrimos
as crenças que professamos
as angústias que sofremos
os ídolos que adoramos
a inútil importância que nos damos
mas há contudo a vida
há a amizade
há o amor
há aqueles mínimos momentos
possíveis de multiplicar
em que cada um humano é perfeito
em que cada um humano é divino
em que cada um humano é eterno
momentos plenos de poesia
momentos de dar cria
momentos de dar conforto
momentos de dar carinhos
momentos de se dar
dar-se
dar-se sem razão
dar-se sem esperar o troco
dar-se somente por dar
dar-se abdicando de tudo
dar-se pelo prazer de se dar
tudo o mais é humano demais
tudo o mais é mesquinho demais
tudo o mais é egocentrismo demais
tudo o mais é ouro e prata
tudo o mais é apenas ter
e nada que temos entesourado
vale aquilo que podemos ser
enquanto nos é dado viver.
Fred Matos
Assinar:
Postar comentários (Atom)
4 comentários:
Faltou-me palavras...Um dos mais plenos de inspiração.
Deixando um abraço amigo.
Só me resta agradecer, Elis.
Beijos
Outro grande pra você, Adair
Postar um comentário