quinta-feira, dezembro 4

carnaval


foto: Mário Cravo Neto


— vam'bora? 

não ouvi se ela falou
nem me dei conta de quando foi
absorto nos meus pensamentos.

da mesa ao lado a nota histórica:

"na Grécia, há cinco mil anos,
para ficar famoso,
colocar seu nome no livro dos tempos,
Eróstrato incendiou o Templo de Diana,
uma das sete maravilhas da terra".

é de memória que escrevo agora,
podem ter sido outras as palavras
do, decerto, professor de história,
moço ainda de espinhas na cara.

em guardanapos de papel,
encontrei, depois, no bolso da calça
fragmentos com a minha caligrafia:
 

utópico trópico meu equador
equinocial equação de gozo e drama
de riso e dor, de sonho e razão
rapsódia melancólica, eólica, louca
rouca, plural.

estanca na boca o tímido estame
da tinta flor, do vento marinho
que brisa a morna pletora, e chora
e ri rebrotando a verdura madura
límpida e singular.

sangra, singrando a pênsil linha
limítrofe entre o pêndulo e o espaço
cindido por imperceptíveis pancadas
rompendo a rota a golpes de sépticos pés
nus e nós. em noz moscada.

enquanto tanto gasto pó palavras
e espanto do meu canto, a luz, o manto
o conduto, a compreensão. salta o sapo
salga o sal, e oculto o obvio, por vezo vil
véu, víbora, tacão.

loucuras. sim, dirás, direi, dirão
e gira a roda da fortuna. escura
a bruma ronda a noite, o dia, a língua
a mão. eu não. ah! sim. ah! são
os santos de ocasião.

amanhece, anoitece, não sei bem
o copo é oco, agora peço a nota
noto que a morena foi embora
pago e trôpego pingo 
com um arroto

o ponto final.

não alcanço o sentido disso.

foi uma bebedeira e tanto:
há coisas de que me lembro;
de outras não.

a ela penso que disse
do encanto de estar aqui agora,
de ser este mutante múltiplo
que devora o tempo, as horas.

protagonizei, 
vês?, 
meu deus íntimo.

íntimo mas falso. outra máscara
das que me permitem dissimular
uma personalidade estranha,
senão irremediavelmente doentia.

agora é a cabeça que dói
é um amargo na boca
é o corpo cansado.

um banho frio,
um café quente e forte
e estarei pronto pra outra.

a festa não pode acabar.


Fred Matos
publicado em "Anomalias"

Editora Kelps
Setembro/2002



4 comentários:

Maurício disse...

Um poema dentro de outro poema que é uma crônica em versos. Gostei.

Fred Matos disse...

Obrigado, Maurício.
Abraços

Anônimo disse...

Também me lembro muito bem deste :) É óptimo!

Beijo

Fred Matos disse...

Obrigado, Sol.
Beijos

pesquisar nas horas e horas e meias