ilustração: Peter Gric
Por inúteis para a exatidão do meu propósito me limitarei às mínimas necessárias neste simplório relato, não obstante pretender evitar omissões como, por exemplo, a deste parágrafo que ficou sem sujeito, correndo o risco, portanto, de o leitor resolver eleger um qualquer por sua própria conta, bem como o de considerar inutilidades outras quaisquer que não exatamente aquela omitida, mas evidentemente implícita e cujo entendimento está ao alcance de qualquer pessoa alfabetizada no nosso idioma e que tenha também um mínimo de capacidade de análise lógica.
Devo adverti-los que este desiderato de concisão integra um pacote terapêutico que tem como objetivo curar-me de um distúrbio, recentemente diagnosticado por um luminar da medicina pátria, cujo nome omitirei para evitar que eu seja chamado a testemunhar em caso de polemica que envolva os direitos econômicos que decorram de possíveis demandas jurídicas entre o não citado e outros, pátrios ou sobretudo estrangeiros, que quiçá pretendem tê-lo antecedido na identificação do dito distúrbio que provoca, como talvez vocês já tenham observado, uma incontrolável prolixidade.
Prólogo cumprido, em sucintos parágrafos, conforme recomendado pelo terapeuta que me vem tratando, o doutor fulano de tal, discípulo do eminente luminar pátrio cujo nome prudentemente foi omitido, cumpre-me informar, para tranqüilizar-lhes, que, segundo as mais recentes notícias, essa síndrome não se transmite de escritor para leitor, exceto nos casos em que o escritor atua no rentável nicho da auto-ajuda, havendo quem relate casos não significativos de contágios quando o escritor além de prolixo se consagra a algumas formas antigas de ocultismo e magia, bem como, suponho eu, aqueles que nutrem uma estranha fixação por elementos de milenares civilizações exógenas, notadamente orientais, que não estão arraigadas no nosso patrimônio cultural, conquanto deva excluir a priori os que se dedicam aos haicais, os haijins, por óbvios motivos.
Os poetas, aliás, mas nem todos, são menos suscetíveis ao mal que, obviamente, contagia com maior facilidade os romancistas e autores de obras literárias em capítulos, caso clássico o dos autores de telenovelas, que são as principais vítimas. Embora exista uma certa controvérsia, pois há quem defenda a tese de que, no caso destes, não se pode diagnosticar a prolixidade sem antes averiguar através de acurado exame do texto se se trata efetivamente de literatura ou não. Geralmente não, acrescento por minha conta e risco, salvo honrosas e falecidas exceções. Mas não consigo atinar em que se diferencia substantivamente a prolixidade literária da prolixidade não literária.
No caso dos poetas dá-se o inverso: há uma corrente defendendo a tese de que o diagnóstico exato não é possível nos casos em que o paciente demonstra-se sucinto por absoluta falta do que dizer, não por rigor de estilo. Mas não pretendo entrar no mérito, pois poetas são indivíduos amiúde ególatras, vingativos e alguns são tão loucos que poderiam atentar contra a minha integridade física, até com risco de morte, friso. Eu próprio seria capaz de cometer esta estupidez caso não soubesse, e enfatizemos desde logo, que a prolixidade não é crime. Uma eminente filosofa, acerca do assunto, declarou certa ocasião que se trata "da apologia da mente livre e emocionada que vive cada palavra e não censura o que desenha com a mão" Eu não me lembro onde foi que li, talvez tenha sido no Orkut, este importante veículo de informação e difusão cultural sem o qual a nossa juventude não teria acesso a mensagens luminares que felizmente nos vem fazendo emergir da ignorância tumular coletiva, ou qualquer outra analogia do gênero.
Perdão. Devo penitenciar-me por fugir do assunto. Voltemos ao que importa e desta vez copiando com as aspas devidas as declarações da eminente filosofa:
"O mal, se é que podemos assim chamá-lo, se insurge lenta, sorrateira e persistentemente contra o castrador pragmatismo que insiste em ser invocado como rei e carrasco dessa tola liberdade, dessa doce emoção e que faz parte do tempo daqueles sem tempo para perder tempo de viver o imponderável e conquistar a sensação de ser inocente, sem limite, sem dosagem, sem lei e sem perdão e jaz aqui dilacerado, perdido sem qualquer afago, depressivo combatente que insiste em traduzir o que sente em oceanos de palavras diagnosticadas como distúrbio incontrolável diante de tantos outros males que corroem, contaminam, digerem, discriminam, matam e aniquilam para todo sempre." Acho que concluía com “beijo no coração”, mas não copiei esta parte.
Esse pacote terapêutico prescrito com tanto esmero, e do qual este relato é pilar fundamental, mas não o único, define tantas outras medidas que devem ser adotadas contra esse dito mal talvez incontrolável, conquanto o médico tenha sido pródigo em exemplos de curas milagrosas.
Já neste instante, sinto visíveis sinais de melhora. Se não fosse por isso eu teria fatalmente desconfiado de algo indefinível no cenho do doutro fulano de tal quando da nossa última consulta. Algo que me deu a entender que encontrara em mim um outro otário para engordar o faturamento da clínica. Sobretudo quando ele discorria sobre um possível agravamento do quadro cujos primeiros sinais seria o uso abusivo de gerúndios, algo que ele chamou de síndrome do gerundismo, palavra esta que não integra o corretor do meu editor eletrônico de texto, e que também não encontrei no Aurélio. Pensei em não voltar, em não continuar o tratamento, mas Patrícia não admitiria e eu pago qualquer preço, faço qualquer coisa que ela me peça. E Patrícia já estava disposta a me abandonar porque em virtude da minha síndrome, felizmente ainda não gerundizada, qualquer conversa nossa se transforma em monologo e, diferente do que ocorre com os casais normais, só eu falo, não ela. Compreendo-a. Não apenas porque a amo. Compreendo-a porque não conheço um único caso de mulher que seja capaz de tolerar ficar em obsequioso silêncio enquanto seu cônjuge fala pelos cotovelos, joelhos e artelhos.
Não se ofenda, querida leitora. Sei que estou estupidamente reproduzindo uma mitificação machista, cuja origem desconheço, talvez tão estúpida quanto a que diz que baiano é preguiçoso. Se o faço, porém, é, um: porque de fato não conheço e, dois: porque tê-lo feito talvez leve-a a pensar na imensa carga de preconceitos que todos carregamos e costumamos espraiar através de atos, omissões e palavras. Contudo, tenho quase certeza que excetuando a minha amantíssima esposa Patrícia, mulher alguma teve paciência suficiente para ler este relatório até este parágrafo.
Volto ao cerne da questão. Melhor não. Nem mesmo eu agüento mais tamanho esforço de concisão.
Fred Matos
10 comentários:
hehe sim sim!... mais coloquei pela metade por ser uma parte que fala muito por mim.
adoro os poemas do Vinicius... são palavras doces e profundas!!!
flw por me responder Fred... boa semana pra ti amigo!
Caramba Fred, muito engraçado seu texto. E muito bem escrito. Coloca "bem" nisso.
Abraço.
Thullio,
Eu sei que você não faz por mal, mas dê o crédito sempre que colocar qualquer obra de outra pessoa no seu blog, mesmo que coloque só um pedaço. Não vai acrescentar nada no patrimônio dos herdeiros do Vinícius, mas é uma questão de honestidade. Da maneira que você colocou quem não souber que se trata de um trecho de um soneto de Vinicius vai pensar que é um poema seu e isso é desonesto com você mesmo e com as pessoas que visitarem seu blog.
Fique bem.
Abração.
Seu comentário me deixou muito contente, Dauri.
Grande abraço.
Olá, Fred.
Parece que há uma sincronicidade aqui.
Neste momento, estou precisamente me empenhando em finalizar um poema curto, o que considero um desafio...
Um abraço.
Rapaz... qual será o MEU diagnóstico??
E o blog tá de volta :)
Beijos!
Para mim é mesmo um desafio, Livia.
Obrigado pela visita, leitura e comentário.
Abraço.
Flávia,
Para o diagnóstico de determinadas enfermidades (a loucura, a prolixidade etc) é necessário considerarmos que a avaliação está sujeita a fatores intangíveis. Olhando por este prisma, considero a hipótese de usar um paradigma. Sendo assim, por exemplo, eu não sou tão louco quanto o nosso amigo Kafka, e isso não significa dizer que sou mentalmente saudável. Se me tomar como paradigma para o seu diagnóstico, é útil cotejar o seu comentário e esta minha resposta, no que resulta que eu sou muito mais prolixo que você, mas não que você não seja, comparando-a com a rapaziada que escreve no idioma do MSN.
(rindo muito).
Obrigado.
Beijos
Fred
vai ser prolixo assim no raio que o parta, falar assim pelos cotovelos do teclado merece palmas,merece benevolente apreço e com certeza foste mordido pelo virus do falatório feminino, coitada da sua Patrícia, ela merece uma nova chance
abraço
Ela terá, Iosif (rindo muito).
Obrigado, amigo.
Abração
Postar um comentário