Quando finalmente soar a trombeta anunciando o juízo final, resultando mortos os seres humanos, plantas e bichos, e a escuridão cobrir a Terra, catapultada do sistema solar para a sua última viagem entre as constelações rumo aos confins do universo, a verdade absoluta estará demonstrada e, mesmo assim, paradoxalmente, se algum animal racional pudesse testemunhar o apocalipse deste grão de poeira onde habitamos, ou, o que é mais razoável, dele tivesse antecipada ciência ou premonição; surgiriam acaloradas controvérsias, tentativas estapafúrdias de explicar o fenômeno. Os místicos apontariam, uns, a ira divina como causa do inevitável, outros a realização da comunhão da alma humana com onírica energia astral, resultando dai o nascimento do Deus Carbono a quem caberia a tarefa da recriação da vida. Os cientistas formulariam teorias cuja experimentação nunca se poderia realizar nos seus, para isto, impotentes aceleradores de matéria subatômica. Os políticos engajados nos mecanismos de poder engendrariam frases bombásticas para demonstrar que os governos estavam no caminho certo para a solução do problema ou, na pior das hipóteses, para que o sofrimento fosse o menor possível; os da oposição asseverariam que mais uma vez os mais prejudicados seriam os mais carentes, pois, afinal, no tempo que lhes foi dado viver, apenas comeram o pão que o diabo amassou, enquanto as elites banqueteavam-se com o botim da exploração do homem pelo homem. Os profissionais da fé negociariam a chave do portão do paraíso e, ou, apascentariam o rebanho com a miragem do abraço divino. Os filósofos sofismariam com a inevitável constatação de que o cogito cartesiano havia encontrado confirmação "na transposição negativa do enunciado". Os empreendedores dariam "tratos à bola" objetivando descobrir como lucrar com a catástrofe, ainda que soubessem da impossibilidade de gozar dos seus frutos. As beatas e os crentes entupiriam os templos; os devassos os motéis de alta rotatividade; e os poetas lamentariam a impossibilidade do luar e sopesariam palavras que com mais comoção e elegância pudessem exprimir a angústia da perda da musa e do sonho. Assim caminha a humanidade.
Fred Matos
Conto publicado em “Melhor que a encomenda” – Coleção Selo Letras da Bahia – FUNCEB, EGBA – 2006.
10 comentários:
Eu sempre me pergunto onde estão as migalhinhas de pão que nos ajudariam a voltar.
Um beijo, querido.
Vamos caminhar noutro sentido...
Vamos espalhar bons motivos de regresso, mesmo depois de um apocalipse, sem pensar que um dia ele poderá existir.
Um bom motivo para sermos boas pessoas, não acha?
Sem temer o apocalipse, deixo um beijo com sinais de muito frio...O Norte de Portugal está vstido de branco!
Interessante o texto, a imagem também ficou perfeita...
Bom fim de semana pra ti,
bjo carinhoso,
Branca.
Os céticos reencarnariam em algum outro orbe e passariam mais uma vida contestando tudo que fora anunciado.
Bjos Fred!
Provavelmente os pássaros comeram as migalhas de pão e seria mais sensato que os homens não precisassem refazer caminhos porque sempre destroem as pontes por onde passam.
Obrigado, Flávia.
Beijos
Luísa,
Melhor ainda seria sermos boas pessoas sem precisar de motivo para sê-lo.
Agasalhe-se
Obrigado.
Beijos.
Obrigado, Branca. Bom fim de semana pra você também.
Beijos
Cada qual segue conforme a sua natureza, Elis.
Obrigado.
Beijos
e assim caminha a humanidade,cada qual com a sua galera,eu não sei com a qual, não sou crente, politico,negociante, banqueiro,nem pobre nem rico, nem mais tenho companhia pruma alta rotividade, e poeta se sou a lua não me inspira,mas com certeza estarei lendo algum texto do meu amigo Fred
Suponho que não estaremos mais neste planeta, Iosif, exceto se se confirmarem as previsões maias que indicam para 2012 o fim dos tempos. É obvio que me sentirei lisonjeado se você continuar me lendo mais estes quatro anos.
Abração.
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