terça-feira, abril 7

auto-retrato



Foto: Dila Luna Matos


queres um poema?
mostro-te a perna
a esquerda dobrada sobre a cadeira
a destra sobre o pé daquela apoiada

avesso a versos não digo nada
exceto o que há
entre o meu pé e a cabeleira

é prudente que me cale sobre o umbigo
porque sempre há nele uma metáfora
com mil hipóteses sem juízo
inclusive a de que é um poço fundo
onde é oculto um sorriso irônico
para uso solene se atônito
a solenidade me deixar confuso

exceto por este pequeno detalhe
nada mais há que queira oculto
nem mesmo os pássaros na boca
e a absoluta intolerância a barulhos

além de que tenho nos olhos
tatuada a imagem marota
de mulher nua à luz da lua

sob o peito um corcel cavalga
e na pele brotam flores negras
a pança lentamente avança
sobre as pernas quando me sento

o nariz não é grande nem pequeno
tenho um olfato de fazer inveja
a perfumistas e enólogos
sobre ele está apoiado o óculos
que só tiro para a cama e o banho
habituei-me tanto que me sinto estranho
quando não o tenho grudado ao rosto

é inevitável que fiquem lacunas
neste auto-retrato somente escrito
pra lhes dizer que lamentavelmente sinto
ser como sou
o meu único assunto

o que me traz de volta ao umbigo
onde plantei cravado profundo
este meu universo ambíguo.


Fred Matos

24 comentários:

Ines Mota disse...

Perfeito, seu auto-retrato!
Parabéns!E mais uma vez obrigada pela visita aos meus blogs.
Um abraço

Nuno Dempster disse...

Perfeito mesmo, e de leitura pausada e seguida. Um abraço.

Fred Matos disse...

Eu que agradeço, Ines, a visita, leitura e gentil comentário.
Beijos

Fred Matos disse...

Agradeço-te, Nuno.
Tua visita, leitura e comentário valem muito para mim.
Abração

Bruna Mitrano disse...

"sob o peito um corcel cavalga
e na pele brotam flores negras
a pança lentamente avança
sobre as pernas quando me sento", adorei a mudança: você fala de peito, corcel e flores negras e logo no verso abaixo fala de pança, como se saísse da profundidade de dentro do peito, da pele, para o que está bem ali à mosta e todos podem ver, ao mesmo tempo saísse de uma reflexão mais profunda para uma constatação imediata. Muito ótimo seu auto-retrato!

Fred Matos disse...

Obrigado, Bruna.
Você estava sumida daqui, senti a sua falta.
Beijos

Cris Animal disse...

retrato único...singular: Fred!
lindo poema

beijo
............cris Animal

Fred Matos disse...

Obrigado, Cris.
Beijos

Isabel Estercita Lew disse...

Fred, este auto-retrato está feito literalmente com o corpo e a alma

Delicioso de ser lido.

Estercita

gloria disse...

Fred, esse teu auto-retrato impressionista nos diz da versào do poeta e de do que habita seu imaginário. Essa imagem é bela:

além de que tenho nos olhos
tatuada a imagem marota
de mulher nua à luz da lua

esses conteúdos que permanecem indeléveis na memória!

muito belo, bjs

Paulinha disse...

Muito bonito o seu poema. Parabéns.
A Pri me falou do seu blog, eu esqueci de autorizar o comentário.
Obrigada, Bjos

Fred Matos disse...

Agradeço-lhe, Estercita, a visita, leitura e comentário.
Volte sempre.
Beijos

Fred Matos disse...

Fico contente que você gostado, Glória.
Obrigado.
Beijos

Fred Matos disse...

Bem vinda, Paulinha.
A Pri é uma velha e boa amiga.
Gostei muito das suas fotos.
Agradeço-lhe a visita, leitura e comentário.
Volte sempre.
Beijos

cisc o z appa disse...

fred, meu chapa!

muito bom
e bota bom nisso!

esses são daqueles
que melhoram a gente
quem lê
não só saboreia
come
e bebe
o sentido úbiquo

evoé grande poeta!

Adriana Godoy disse...

Penso com meu umbigo, o Fred é assim??!!
Mesmo que seja um autorretrato,ainda sobra espaço para se criar oura imagem que não a que vc fez.( para isso servem as entrelinhas e a imaginação) Lindo poema, corajoso. Beijo.

Unknown disse...

Perfeito, Fred!
Emocionante mesmo! É difícil se auto retratar, mas voce, amigo o fez com a elegância dos sábios e eloquentes!

Grande abraço

Mirse

Fred Matos disse...

Fernando,

creio ser
maior
na pança
que na poesia

mas lhe agradeço
a gentileza
que afaga o ego
e apaga o juízo.

Abração

Fred Matos disse...

O poema já dizia, Adriana, que "é inevitável que fiquem lacunas", mas, ainda que não fosse assim, certamente não sou, ninguém é, nem como se vê, nem como é vista pelas outras pessoas, nem como se esforça para demonstrar ser, nem como se pretende.
Aliás, é isso que faz, na minha opinião, a beleza de ser humano.

Agradeço-lhe a leitura e comentário.

Beijos

Fred Matos disse...

Agradeço-lhe, Mirse.
Deixa-me contente que você tenha gostado.
Beijos

Batom e poesias disse...

Nem Van Gogh se pintaria com tanta crueza e abstenção de excesso emocional...
No entanto a tela é uma obra prima.
Parabéns!!!
Bjs
Rossana

Fred Matos disse...

Obrigado, Rossana.
Contente por você gostar.
Beijos

Mari Amorim disse...

...é prudente que me cale sobre o umbigo
porque sempre há nele uma metáfora
com mil hipóteses sem juízo...
psicologicamente,poeticamente,
genial!
Um beijão
Mari

Fred Matos disse...

Agradeço-lhe, Mari.
Beijão

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