domingo, maio 24

arqueologia miúda



ilustração: Degas "Femme nue étendue"

nos guardados da casa
arqueologia miúda
de um passado recente.

cartas, velhos cadernos
pejados de poemas, sonhos, projetos.
uma pétala seca de rosa, talvez, ou de açucena.

uma declaração de amor eterno
infinitamente mais breve
que o papel que a promessa encerra.

assina Lúcia, de cuja feição não me lembro,
sequer das circunstâncias da paixão
que a carta testemunha.

documentos, traças, pó de papel, mofo...
de que me serve guardar
a Certidão de Óbito do meu pai?

centenas de fotos esbranquiçadas
o texto juvenil de uma comédia
que nunca será encenada.

nem tudo vai para o lixo sem lágrimas,
mas é preciso esvaziar os armários,
atulhados de ontens,
para dar espaço ao novo.



Fred Matos
Salvador, BA.
02/03/2002

publicado em "Anomalias".
Editora Kelps
Setembro/2002
com o título
"nos guardados da casa"

8 comentários:

Efigênia Coutinho ( Mallemont ) disse...

Fred Matos, andei fora do ar, pois deu um "crepé"em meu micro, coisas da vida internética, e ao retornar hoje, foi o primeiro poema que leio, simplesmente "soberbo", gosto do seu jeito despojado de escrever, é forte e leve, boa semana.
Efigênia Coutinho

Fred Matos disse...

Agradeço-lhe, Efigênia, pela visita, leitura e comentário.
Beijos

Nanda Assis disse...

com certeza as vezes n devemos so virar a pagina como tbm botar fogo.

bjosss...

Fred Matos disse...

É verdade, Nanda.
Obrigado por vir, ler e comentar.
Beijos

Fernanda Fernandes Fontes disse...

Olá Fred!

Que bom que vc passeou por minhas letras, assim tive o prazer de conhecer as suas...

Ah, esses papéis, essas lembranças revolvidas quando se arruma a casa... arrumamos a alma tb!

Bjs e te espero sempre!

Fred Matos disse...

"quando se arruma a casa... arrumamos a alma tb!"
Apesar de que, às vezes, desarrumamos, Fernanda.

Agradeço-lhe por vir, por ler e por comentar.
Volte sempre.
Beijos

Hercília Fernandes disse...

Fred,

as miudezas [bacherladianas] se alojam em seu belo poema(?). Entretanto, como os versos de sua arqueologia miúda sensivelmente advertem:

"nem tudo vai para o lixo sem lágrimas,
mas é preciso esvaziar os armários,
atulhados de ontens,
para dar espaço ao novo".

Lindo demais! Sim ples mente Poesia!

Beijos, poetíssimo.
H.F.

Fred Matos disse...

Fico contente que goste, Hercília.
Agradeço-lhe o generoso comentário.
Beijos

pesquisar nas horas e horas e meias