sexta-feira, maio 8

melopeiar




para Guiga e Lúcia


foto: Mário Cravo Neto



na mecânica quântica do léxico,
catar palavras desconexas
semeando melopéias sem peias.


para pôr ritmo, verbos à mancheia.


para os formar, use sufixos verbais
e faça um novo

e rime com ovo ou estorvo

para contrastar, observe que serve
atentar à sonoridade acústica da lata.
tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá.

está na moda o poema piada


e palavras q
                    u
                      e escorrem


como cataratas


a desconformação é um zagueiro
que só sabe dar pontapé.

 

ah! saudade de Zico e de Pelé.


que novo gênio nos resgate
do embuste que emburra, e urra
loas à fugacidade estética.

poeta, amigo, entorne o caldo
faça uma sopa supimpa,
temperada com um pouco de escarro.


esconda um cadáver no armário.
navegue órbitas assimétricas.


há manchas de sangue na faca,
um verdugo no cadafalso,
e na ponta do laço; um poeta.


na platéia exultam seus pares.

não perca a hora da festa
onde a lascívia se instala.


sorva da vulva, sem nojo,
a última gota de orvalho.


se você não é ele, é ela:
tome na boca um caralho
e beba do mel que lhe oferto.

e engula que é líquido raro.

para comover, use sem pejo:
flor, infância, dor, solidão,
a prece de uma anciã,
qualquer coisa cotidiana,
uma puta, uma cabana,
nossa irrelevância humana,
a sua febre terçã.

vermelho é a cor do desejo,
abuse de abraços e beijos,
um violino, um piano, uma flauta.


se abunda a bunda da mulata,
abunda no verso o tesão.

só razão é que lhe falta.

pinte um lago manso,
um sonho denso,
sombras de árvores e pássaros
bruma, pena, espuma, espaço.
dê asas à imaginação.


deixe que escorra sangue na tela,
apele aos deuses do Olimpo,
aos Orixás, a Xiva, a Tupã.


se puder, faça como Vinícius:
vá morar em Itapuã.

o mar, quando amanhece, tece
na praia o hilário e raro enlace
do côncavo com o convexo.
mas, ainda que seja ou soe falso,
não tem a menor importância :
o horizonte é uma miragem
que o poeta ocultando revela.

se o barco é a motor desfralde velas
que o vento enfuna e o sol enfeita
com as tintas do espírito santo.


há uma sereia, ouço seu canto
e encantado faço-me escravo
e escrevo versos na areia
como quem borda a mortalha
com que irá ao cemitério.

é de bom tom fazer mistério.

 

 

 

Fred Matos

publicado em "Eu, Meu Outro"

Editora Poesia Diária

Maio/1999

 

8 comentários:

Batom e poesias disse...

Um pouco de tudo esse poema.

Doce e amargo, duro e líquido, belo e triste, concreto e romântico, quântico e fétido, nu e cru, mau humorado e engraçado.

Genial.

bjs
Rossana

Nanda Assis disse...

criativo demais, mas o destaque foi a foto, que deu ate pra rimar com ovo rs.

bjosss...

yehuda disse...

caralho, eu queria ter escrito esse poema escrachado, você é mestre eu sou aprendiz a cata do caminho da verdade verdadeira sem o mais nem o menos do certo dito com uivos de macho
abraço

Fred Matos disse...

Obrigado, Rossana.
Deixa-me contente que você tenha gostado.
Beijos

Fred Matos disse...

Esta foto é ótima mesmo, Nanda.
Obrigado pela visita, leitura e comentário.
Beijos

Fred Matos disse...

Bondade sua, Iosif.
Obrigado.
Grande abraço.

Vanessa M. disse...

Obrigada pela visita no meu blog, Fred. Volte sempre que quiser.


Um diria uma palavra para o poema: transparencia

Fred Matos disse...

Eu que agradeço a visita, leitura e comentário, Vanessa.
Espero que volte outras vezes.
Beijos

pesquisar nas horas e horas e meias