não sei quem é o autor da foto
o tilintar dos talheres assinala
que está posta a refeição
a toalha da mesa não revela os cerzidos
onde o tempo e o uso esgarçou as fibras
difusa
a luz solar
vence a cortina que esvoaça
em vestígios de uma canção
que aos comensais passa despercebida
andrógina voz canta as vicissitudes da solidão
a senhora tece comentários domésticos
aos quais o esposo assente cabeceando
olhos postos nos próprios pensamentos
ensimesmado num mundo
em tudo diferente deste
onde autômato mastiga engole bebe e concorda
pela conveniência de não imiscuir-se no que considera irrelevante
a mulher fala do factual
alheio
o homem delira
e pede a sobremesa.
Fred Matos
publicado em "Anomalias".
Editora Kelps
Setembro/2002
que está posta a refeição
a toalha da mesa não revela os cerzidos
onde o tempo e o uso esgarçou as fibras
difusa
a luz solar
vence a cortina que esvoaça
em vestígios de uma canção
que aos comensais passa despercebida
andrógina voz canta as vicissitudes da solidão
a senhora tece comentários domésticos
aos quais o esposo assente cabeceando
olhos postos nos próprios pensamentos
ensimesmado num mundo
em tudo diferente deste
onde autômato mastiga engole bebe e concorda
pela conveniência de não imiscuir-se no que considera irrelevante
a mulher fala do factual
alheio
o homem delira
e pede a sobremesa.
Fred Matos
publicado em "Anomalias".
Editora Kelps
Setembro/2002
12 comentários:
É, daqui a pouco secarão os rios que em mim são lágrimas.
Belíssimo, Fred!
A refeição, hora sagrada, em qualquer circunstância. Pelo alimento que nutre, pela companhia ou solidão na companhia.
Uma rotina doméstica, não muito longe do nosso viver, com a toalha cerzida pelo carinho de ver a refeição, talvez como a santa hora da santa ceia.
"alheio
o homem delira
e pede a sobremesa."
Nesse filme, acho que todos já fomos em algum dia coadjuvantes.
É uma pena!
Mas pelo menos à luz da inspiração de um poeta como você, a solidão a que os seres se submetem, fica mais bonita.
Poema de Primeira grandeza!
Aplausos, poeta!
Beijos
Mirse
Sempre bom ler-te e reler-te, meu amigo.
Fred!
Teus poemas são como uma canção para alma.
Boas energias!
beijos
Mari
"a toalha da mesa não revela os cerzidos
onde o tempo e o uso esgarçou as fibras", Fred só esses versos valeriam o poema, mas ledo engano, a cada verso uma revelação. A relação a dois, cada um no seu mundo; uma refeição, a mesa posta e a solidaão diária de quem vive junto por muito tempo. Ainda bem que nem sempre é assim, ainda bem que você fez esse belo poema. Beijo.
Nesse filme, acho que todos já fomos em algum dia coadjuvantes.
Creio que, inevitavelmente, protagonistas, Mirse.
Não é o caso de se fazer juízo de valor, me parece que é da natureza humana este ensimesmar-se.
Agradeço-lhe a leitura e comentário.
Beijos
E sempre bom receber-te e aos teus comentários, Helena.
Beijos
Obrigado, Mari.
Beijos
Ainda bem que nem sempre é assim
Ainda bem que não, Adriana, mas é um retrato bem comum.
Obrigado por vir, ler e comentar.
Beijos
coloquei sua poesia nesse blog:
http://blog.plataforma.paraapoesia.nom.br/category/qi-martha-galrao/
beijo
Agradeço-lhe, Martha, por divulgar a minha poesia. Sinto-me honrado pela escolha.
Beijos
'olhos postos nos próprios pensamentos
ensimesmado num mundo
em tudo diferente deste'
É o retrato de alguém que está cansado e não tem mais vontade de viver. Lembra meu pai, pouco antes de falecer.
Eu viajo em teus poemas.
bjs
Rossana
Lembra-me o meu também, Rossana.
Fico contente por você viajar nos meus poemas: é um elogio e tanto.
Obrigado.
Beijos
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