para Rodrigo de Souza Leão,
o “Seomario”, em memória.
a todo instante
cotidianamente
pichada nas paredes
dos velhos edifícios
do centro da cidade
nos anúncios luminosos
nas vitrines
nas esquinas
desenhada sobre maços de cigarros
rabiscada nos muros
sussurrada nos bares
escorrendo nos telhados
caída no adro
entre os mendigos
famintos de humanidade
uma palavra se insinua
ecoa na música do rádio
aloja-se sorrateiramente
explode em poemas
eleva-se em uma prece
invade corredores
salas lares alcovas
as celas das cadeias
claustros prostíbulos
todos os espaços
públicos e privados
é a pedra de toque
dos discursos políticos
é a máxima expressão de ternura
nas promessas dos amantes
revigora as esperanças
é bálsamo para as angústias
compromisso nos armistícios
é cura de todos os vícios
é imprescindível pra paz
é inevitável nos livros
não obstante
ninguém sabe
a quem pertence
ninguém sabe
a que exatamente se destina
ninguém sabe
o que significa
conquanto ecoe
nos vales e desfiladeiros
conquanto suba montanhas
inunde oceanos
envolva o mundo
em um manto de ilusão
os cegos podem lê-la
os surdos ouvi-la
gritam-na os mudos
mas talvez somente os loucos
possam porém elucidá-la
compreendê-la integralmente
sem máculas
sem banalizá-la
despida de egoísmo e preconceitos
não somos sequer capazes de imaginar
as conseqüências da sua exata compreensão
libertaríamos-nos da escuridão primitiva?
renovaríamos a nossa herança anímica?
condenar-nos-íamos ao caos?
quem a terá criado?
que deus deusa anjo
incrustou-a no nosso imaginário
como se um dia pudesse ser exercida
independente de qualquer paixão?
independente de idolatrias?
como se fosse coisa mansa
indolor
lume na escuridão?
não como um fardo incômodo
não como obrigação
não como é entendida
descolada da razão?
que maldição a acompanha
dos tempos pré-históricos aos dias atuais
para que em seu nome se façam guerras
cometam-se crimes
pratique-se a violência?
como se tudo isso não a negasse
como se tudo isso não fosse antônimo
talvez devêssemos esquecê-la
arrancá-la dos dicionários
dos textos sagrados
das literaturas
apagá-la das canções
dos poemas
lixá-la das pichações
das pedras entalhadas
dos desenhos
dos corações
da história das civilizações
atravessemos a porta da fantasia
quiçá encontremos
um tempo singular
no qual as palavras estejam virgens
e que a palavra omitida
jamais seja tomada
como sinônimo de submissão
jamais seja usada
para justificar a fera que ainda vive encoberta
nos nossos inconscientes
para abonar os nossos primitivos temores
para desculpar o nosso apetite
de vida
e de morte
mas o que seríamos se isso fosse possível?
seres divinos?
cisnes?
humanos?
super-homens?
novas consciências?
habitantes do tédio?
e assim como ela
uma palavra
outra palavra
viria para substituí-la
até que venha o absoluto não ser
o inconcebível nada
que inevitavelmente
virá.
Fred Matos
22/07/2009
32 comentários:
Espetacular!
às vezes dá medo, em outras horas penso se há solução.
Creio que não. Só o tempo dirá. Valem protestos, gritos, textos e tudo que se possa fazer. Mas o inevitável acontece. O inimaginável soturno também.
Precisamos apenas esperar a hora certa de agir, prevenindo-se ou deixando chegar o caos.
Belíssimo Fred!
Beijos
Mirse
Obrigado, Mirse.
Fico contente por você gostar do poema.
Beijos
Neste lugar, teu escolhido...
Estou sempre indo embora.
Há um grito branco e um antigo refletor de andarilhos.
Mas existem escadas abaixo e acima deles que precisam de passos poéticos. Seus passos...
Assim convivemos
Com formas feias
Ou sem tom
Mas humanas
Sem qualquer dom...
Adorei o poetar!!!
Obrigada
Será que é a rainha da Inglaterra?
Bjs
Sra. Dona Oculta ,
Ao mesmo tempo em que agradeço a gentileza da visita, leitura e comentário, devo registrar que preferiria que a senhora, seja quem for, não se mantivesse oculta, coisa que me evitaria ter que explicar mais uma vez a Dila, minha amantíssima esposa, que não tenho blog para manter namoros virtuais.
Lick,
Não creio que a Rainha da Inglaterra escreva em português.
Beijão
Pura poesia,
Pura!
Agradeço-lhe, Carol, a visita, leitura e comentário.
Beijos
A rainha da Inglaterra pode não saber ler e escrever em português, e os súditos? E vc sabe que essa “rainha” é poliglota, sabe ate genovês.
Bjs/amor
Dila,
Eu não sei de nada e já estou de saco cheio deste papo.
esplendido, e o Rodrigo merece...e ainda mais! espero que esta descansando em paz, Fred, aplauso , que talento...e eu estou feliz que meu ormao voltou somente espero que ele se sinta 100% bem para continuar escrevendo1
eu tenho um marcapassos, amanha me levam os pontos e espero estar melhor...tbem...ja que meu coraòao batia apenas aos 40...
abraço,
Espero que sim, Myra. O Rodrigo sofreu muito. Também espero que o Iosif esteja 100%, bem como as batidas do seu coração.
Obrigado pelo gentil comentário.
Beijos
Para esse poema foi preciso horas inteira e mais algumas meias!!!
Pois tantos detalhes... tantas imagens...
Nossa, vou ali deitar pra continuar sonhando com tudo isso!!!
rs
beijos =)
Fred!
Não sabia que era um poema! Não ria de mim, mas conheci um SEOMARIO, torturador, na época da ditadura, fiz a ligação. cheguei a chorar. Prova que você convence demais quando escreve.
Acho que sou boba, desculpe.
Beijos
Mirse
ameeei *-*
Oi Fred
Talvez, em vez de arrancá-la de nossa civilização(a palavra), devêssemos fazer como o poeta francês Yves Bergeret.
Ele traduz seus poemas oralmente para Toru Tegu, e os Dogons pintam poesia.
Alías, foi pesquisando por ele que encontrei seu blog.
Lindo poema Fred
bjs
Rossana
http://typo38.unesco.org/pt/cour-04-2008/04-2008-eclairage.html
Agradeço-lhe, Clarinha, pela visita, leitura e comentário.
Beijos
Mirse,
O Seomario a quem dediquei este poema, foi um amigo virtual, um dos primeiros que fiz após ingressar na Internet há mais de 10 anos, que faleceu no dia 2 deste mês.
Para saber mais a respeito dele, sugiro ler o texto deste link:
http://poetas-lusofonos.blogspot.com/2009/07/seo-mario-vivo-numa-bomba-relogio.html
Beijos
Ô, Rossana. Eu não sabia que você encontrou o meu blog procurando o Yves Bergeret. Espero que o prejuízo da troca não tenha sido muito grande (risos). Eu não poderia traduzir meus poemas para nenhum outro idioma, pois neste nosso melodioso eu já sinto dificuldade. Desenhá-los? Pintá-los? Não creio que sejam tão expressivos e que pudessem prescindir dos sons que me habitam. Conquanto deva confessar que os sonhos que me habitam estão subjugados já faz uns meses por um chiado constante que soa do meu ouvido esquerdo e invade o meu cérebro como os milhões de decibéis de um trio-elétrico no domingo de carnaval.
Agradeço-lhe pela visita, leitura, comentário e pelo link que vou em seguida visitar.
Beijos
Obrigado, Duanny.
Beijocas.
Parabéns..
eu também gostei muito do que li!
voltarei...
Desejo-te um excelente
final de semana!!!
Beijo.
Um poema à altura de Rodrigo, Fred. E que diz o que ele certamente gostaria de ter dito, ou disse, em outras palavras, em seus próprios poemas e textos. Um poema bem angustiado mas com uma espécie de remissão inscrita em si.
Beijo pra você.
Sensivelmente bem escrito. Parabéns!
Abraço
Taninha
Agradeço-lhe a visita, leitura, comentário e por tornar-se acompanhante do blog, E.Rakowski.
Venha sempre.
Ótima semana.
Beijos
Que bom que você gostou, Adelaide.
Obrigado.
Beijos
Seu comentário me deixou contente, Taninha.
Obrigado
Beijos
Putz, linda homenagem. Eu soube da morte do Rodrigo pelo seu blog... Tristeza danada.
Eu soube pelo blog do Lau, Fábio. E levei uns dias pra me acostumar com a idéia. Eu acompanhava o blog dele, o "Lowcura", e havia notado a ausência, mas não sabia que estava em crise e internado. Tenho perdido muitos amigos, e isso me faz morrer um pouco junto com eles.
Grande abraço
"Essa" palavra me deixou... sem palavras! Aliás, você demonstrou mais uma vez como tece com elas, como brinca e entrelaça. Além disso você tem razão, se ela não existisse, outra tomaria seu lugar. Acho que as palavras existem dentro de nós, creio eu, e só os poetas de coração conseguem trazê-las à luz. Lindo o seu poema... e triste...
Abraços!
É amor a palavra oculta?
Obrigado, Olga. Fiquei contente pela sua visita, leitura e comentário.
Beijos
Pode ser, Maurício, mas prefiro que cada leitor encontre a sua.
Agradeço-lhe a visita (e fazia muito tempo que não comentava no blog), leitura e comentário.
Abração
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