segunda-feira, novembro 24

ao dicionário


não faço versos com sentimentos
as palavras são a matéria-prima.
pouco se me dá métrica e rima
fundamental é suscitar fonopsia.

a fonética, arcano da fonologia,
multifaceta as regas da prosódia.
veja como é fácil fazer poesia
quando se tem um bom dicionário:

em lugar de perplexo, escrevo vário
o leitor entenda como quiser.
quiçá, fecundo, faça fé.

pedante, paragógico, paramnésico,
o elóquio elíptico emascara o elo.
eloqüente uma silepse tenho ao pé.


Fred Matos
publicado em "Eu, Meu Outro"
Editora Poesia Diária
Maio/1999

10 comentários:

Paula Barros disse...

Uma vez folheando o dicionário escrevi umas poesias. Mas depois fui observar, a palavra que tinha me inspirado a escrever tinha a ver com um sentimento que estava sentindo.

Ficou bem interessante sua poesia. Diferente.

abraços

Fred Matos disse...

Paula,
Estava lendo hoje um conto no qual Kafka escreveu: (...) convertido em pequeno pássaro sobre os ramos destes distantes bosques, esqueci fazer sair a lua, que já esperava atrás da montanha, certamente indignada pela demora."
É obvio que Kafka não se converteu em pássaro, que não tem influência sobre os astros e que a lua não espera e também não fica indignada . O nome disso é ficção. O que eu quis dizer neste poema, um velho poema, é que as palavras são mais importantes que os sentimentos para quem está escrevendo. Claro que quem lê (sinta quem lê, disse Fernando Pessoa) acredita nos sentimentos que estão nos versos, mas quem escreve não está necessariamente sentindo, está criando uma arquitetura de palavras cujo objetivo é causar em quem lê a impressão de que sente aquilo.
Ocorre às vezes que o escritor vá tão fundo neste processo de criação que chegue a pensar que está sentindo as coisas que está criando. Assim como um ator que se confunde com o personagem que está interpretando.
Eu achava que isso era coisa fácil de se explicar e de ser entendida, mas hoje estou convencido que não é, coisa, por sinal, que está me entristecendo, mas isso é outra conversa.
Obrigado pela visita, leitura e comentário
Beijos

Anônimo disse...

Queria acreditar nisso, acho que poeta só escreve o não sente quando é encomendado.

Ou, é verdade que o poeta é fingidor?

T'amo!

Eu

Fred Matos disse...

Lick,
A poesia é como outra qualquer forma de literatura, a diferença é que é em versos. Os primeiros grandes clássicos da literatura que nos chegaram da antiguidade: "A Odisséia" e "A Ilíada", de Homero, são obras em versos, são poemas épicos. Também em versos os gregos antigos escreveram as grandes tragédias. São milhares de exemplos, entre os quais o Mahabharata, que você tanto gosta, e da qual sei que você não toma no sentido literal as coisas fantásticas que acontece, entre elas os poderes sobrenaturais de Hanuman, que pode se tornar gigantesco ou minúsculo e voar como o vento.
Isso não tem nada a ver com obras encomendadas ou não.
Te amo.
Beijão.

Anônimo disse...

Licko lindo

Vc sabe que tipo de poesia estou falando e pq.

Bjs
Eu

Gerusa Leal disse...

Amei o meta-poema. Afirma pela negação, nega pela afirmação.

Elis Zampieri disse...

Oi Fred, entendo perfeitamente e concordo em parte com o que falas. Só penso que o estudo da fonética, da semântica ou da gramática não está acima da sensibilidade que faz do poeta um poeta, ainda que fale de outros, de tantos, do real ou do imaginário. Da mesma forma que, sendo da área da educação, percebo que o estudo das ciências não forma educadores, no muito, forma professores. E há uma distância enorme entre essas funções. Percebo essa aproximaçao entre o ser, poeta e o ser, educador e que isso vai muito além do que se é ensinado. Acho que poetas e educadores nascem poetas e educadores, as vezes demoram a se descobrir, mas estão ali e despertarão, mais dia, menos dia. Confesso que andei pensando a respeito e acho muito oportuna essa sua reflexão.
Abraços Fred.

Fred Matos disse...

Gerusa,
Contente com a sua visita, leitura e comentário.
Obrigado.
Beijos

Fred Matos disse...

"Só penso que o estudo da fonética, da semântica ou da gramática não está acima da sensibilidade que faz do poeta um poeta"

Claro que não, Elis, mas a "sensibilidade do poeta" não significa que ele despeje no poema os seus sentimentos pessoais. O "eu" do poeta deve, na minha opinião, ser um "eu" coletivo, sob pena de se produzir má poesia. Estou com um poema quase pronto, no qual falta um verso e pequenos acertos, mas que diz:

" O amor é um pássaro esquisito
se o escrevo já não o sinto
porque para escrever eu penso
e quem pensa no amor não ama
e quem ama não pensa, se inflama
não come, não dorme, fica aflito
os olhos não vêem, a mente derrete
perde-se o norte, o sul, leste e oeste
e os versos do indivíduo, coitado,
parecem-se com as cartas ridículas
de qualquer um outro enamorado."

Obrigado pela visita, leitura, reflexão e comentário.

Bom domingo
Abraços

Elis Zampieri disse...

Perfeito! Acabei de ler um assim e terminei pensando " meloso demais"...Exatamente isso que você escreveu. Gostei dessa conversa.
Abração Fred

pesquisar nas horas e horas e meias