quinta-feira, novembro 27

horizontes


Para Walter e Lenaide


Foto: Lets

1.

nem todos os horizontes são horizontais.
o meu é o muro, vil, vertical, bruto,
barrando os de lá, do lado de fora,
paisagens que os poetas namoram,
e que ardem, quando findam as tardes.

há, sei, os que são metas, metáforas,
povoados de ambições e lubricidade,
mas são ilusões, e são,
se lhes queremos alcançar, cansaço.

o meu horizonte é substantivo próprio.
é O muro. um muro alto, caiado, sóbrio.
mais que barreira física, moral.

os portões ficam fechados,
mas os guardas facilitam fugas
a troco de alguns trocados.

o que posso querer do outro lado?
liberdade? qual liberdade?
liberdade para ouvir que não há vagas?
ou que estou velho para o trabalho?
liberdade para ouvir:
-- Vá trabalhar vagabundo.
quando tudo que peço são migalhas?
liberdade para chorar
pelas crianças prostituídas?
liberdade para roubar, matar,
ser preso, torturado, extorquido?

não, não há liberdade lá ou cá.
horizontes e liberdade são miragens,
estão onde não se pode alcançar,
são sonhos guardados na lembrança,
são esperanças que não tenho mais.


2.

não sei quem é o autor da ilustração

sobre o mar,
desponta no horizonte,
a primeira lua do outono;
última azul do milênio,
segunda deste ano.

tapete no oceano,
imã do meu olhar,
o manto de prata se estende
do ocidente ao oriente,
do tangível ao abstrato.

faço um leito com argaços,
para esperar o nascente
cingindo-te nos braços.

que o horizonte seja a moldura,
onde são suas pernas compasso.


3.

ao horizonte parto agora,
na minha última jornada.
as mãos vão vazias,
e na alma, destroçada,
vãs são as lembranças
duma vida esperdiçada.

da sinfonia divina,
um só acorde acorda,
fechando a tarde morna,
minha vil melancolia,
que a lua, essa madrasta,
escande na noite fria.

soberana da noite,
velha rameira;
meu óbolo,
já paguei ao barqueiro.


tardo em ir,
mas vou inteiro.


4.

meus olhos buscam um horizonte etéreo,
no aparente caos da arquitetura celeste,
e fitam, além dele, além do leste e do oeste,
onde deus engendra os seus mistérios.

vejo-o, ele brinca, não é um homem velho
como vi retratado nos versos de dante.
tem ao lado, magoado, a presença constante
de um poeta pândego, que se pretende sério.

reconheço-o. sou eu mesmo, neste espelho,
que as mazelas humanas reflete.
revolta-me ver que sou um marionete,
que ele manipula sem amor ou zelo.

meus olhos voltam rápidos ao horizonte,
que desta verdade me quero distante.



publicados em "Eu, Meu Outro"
Editora Poesia Diária
Maio/1999
e na Antologia Horizontes
Editora Poesia Diária
Setembro/1999


6 comentários:

Anônimo disse...

È lindo, muito lindo!

Bjs

Fred Matos disse...

Até que enfim recebo a sua visita, gatinha linda. Estava com saudades, espero que Lick não faça cenas de ciúmes pela sua visita. Obrigado, querida.
Beijão

Paula Barros disse...

Li, achei muito bonito.

Essa frase me disse oi:
tardo em ir,
mas vou inteiro.

Gostei dela.

abraços

Fred Matos disse...

Eu também gosto, Paula. E espero que vá integro quando chegar a minha hora.
Obrigado pela visita, leitura e comentário.
Beijos.

Luana disse...

faço um leito com argaços,
para esperar o nascente
cingindo-te nos braços.

que o horizonte seja a moldura,
onde são suas pernas compasso.



Ai q lindo isso que vc escreveu

Bjs.

Fred Matos disse...

Ô Luana, desculpe-me, somente agora estou vendo este seu comentário que agradeço.
Beijos

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