sábado, dezembro 6

naquela primavera


foto: Fred Matos


a arvore envelheceu naquela primavera
e as palavras
caídas dos seus braços cansados
desenharam no chão as histórias antigas
que as avós nos contavam quando anoitecia
e as sombras dos candeeiros criavam ilusões
nas paredes caiadas
nas telhas manchadas 
de limo
de fumo 
de sonhos.

depois que os galhos queimaram na fogueira
e o aroma das suas lágrimas perfumaram os primeiros dias do verão
íamos à arvore como a uma oráculo 
para ouvir o vento
o sabiá-laranjeira 
a juriti
o uirapuru
o tiatã

naqueles idos 
caminhávamos silenciosamente 
pé ante pé para não assustar os preás
bicho arisco que matávamos com espingarda soca-soca
e tia caçula
que nunca se casou
pois tinha por destino cuidar dos pais
guisava a caça e nos servia em pratos esmaltados

a arvore envelheceu naquela primavera
fui para a cidade
deslumbrei-me com os anúncios de neon
com o trottoir das mulheres de saias curtas
saltos altos
excesso de maquiagem 
com a alegria do álcool
com o barulho dos motores

a arvore envelheceu naquela primavera
e com ela a minha inocência
irremediavelmente perdida
quando me deixei iludir
por esta coisa 
denominada 
vida


Fred Matos
6/12/2008

9 comentários:

Fabi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Fabi disse...

Que lindo esse poema Fred...

Me emocionou porque trouxe a recordação de um tempo lindo da minha vida, que envelheceu junto da Árvore.

A foto também é perfeita...

Parabéns por esse maravilhoso dom!

Abraço pra vc!

Anônimo disse...

Fred belo poema
um daqueles que eu queria ter escrito
beleza e nostalgia
abraço


PS ficarei ausente por poucos dias
retirar a vesicula e volto logo pra te ler

hfm disse...

Desfolhaste na árvore a tua subida ao estatuto de "homem" com as suas escolhas mas tb com as suas rejeições...

Fred Matos disse...

Obrigado, Fabi, me deixa contente que o poema tenha emocionado você.
Abraços

Fred Matos disse...

Minha vesícula já foi pro saco, Iosif. Acho que sua ausência não será maior que um ou dois dias, ainda assim sentirei a sua ausência.
Abração

Fred Matos disse...

É esta a intenção do poema, Helena.
Obrigado pela visita, leitura e comentário.
Beijos

Maurício disse...

através da poesia vão se revelando as peças do quebra-cabeças que forma o poeta. neste a informação da sua infância de menino do interior. assim acaba se desmontando a sua teoria de que o poema não é reflexo dos sentimentos do poeta.

Fred Matos disse...

Eu não sou do interior, Maurício. Nasci e me criei em Salvador. Este poema, portanto, não fala da minha infância, e sim da infância de um eu poético imaginário: é ficção.
Obrigado pela visita, leitura e comentário.
Abraços

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