sábado, janeiro 23

sinergia




Foto: Divulgação
encontrada no site Globo.com



Quanto mais conheço a obra, mais apaixonado fico por Ariano Suassuna. Muita gente estranha que eu considere “A pedra do reino” entre os melhores romances de todos os tempos e em todos os idiomas. É o livro que costumo dar aos amigos mais queridos, quando descubro que ainda não leram a história narrada por Dom Pedro Dinis Ferreira-Quaderna.

Tenho em mãos, agora, e recomendo vivamente, o “Almanque Armorial” uma seleção organizada e prefaciada por Carlos Newton Júnior, de ensaios escritos por Suassuna entre 1961 e 2000.

No texto intitulado “Encantação de Guimarães Rosa”, datado de 1967, há um trecho que diz: “Não desconheço o valor e a importância objetiva da obra de James Joyce, mas, apesar disso, já escrevi uma vez e repito agora que a ser autor de Ulisses eu preferiria sê-lo de O Guarani ou de O Sertanejo de José de Alencar”

Pois eu, preferiria ser autor de “A pedra do reino” a sê-lo de qualquer um desses citados e, até mesmo, de o “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa. Obra que Suassuna coloca ao lado de épicos da humanidade como a “Ilíada”, o “Dom Quixote”, a “Eneida”, o “Decamerão” e “Os Sertões”

Em outro ensaio, de 1966, Ariano demonstra a influência do poema “Sagres”, de Olavo Bilac, escrito em 1898 e publicado em 1902, nos poemas do livro “ Mensagem”, de Fernando Pessoa, a maior parte dos poemas escritos entre 1928 e 1934. Não apenas a temática e a idéia central, -“... a febre de Além, a visão, o Sonho, a loucura que impele os homens a enfrentar um Destino superior a suas forças...” - mesmo alguns versos são muito semelhantes. Suassuna faz questão de ressalvar que: “há inúmeros casos de grandes artistas que receberam influência de outros menores que eles... Parece, mesmo, que o normal é o gênio ser, ao mesmo tempo, a soma e a culminância de uma série de influências anteriores...”

Não vou transcrever o livro todo nem resenhá-lo, mas, para encerrar citarei que no ensaio de 1969 sobre “A arte popular no Brasil”, A.S. demonstra a semelhança entre os poetas populares nordestinos que se utilizam da estrofe de dez sílabas rimadas na disposição ABBAACCDDC, tal como na poesia cortesã e erudita dos espanhóis e portugueses no século XVII.

Pelo gosto da experiência, e apenas por isso, é que escrevi este poema que é dedicado ao Ariano Suassuna:


sinergia

não há um só santo à vista
mas o cortejo persiste
e a multidão que o assiste
caça inutilmente a artista
que foi capa de uma revista
em cuja entrevista dizia
que a este cortejo viria
nua como veio ao mundo
com o anseio profundo
de semear sinergia

entre os andores vazios
- permitam que eu insista
não há um só santo à vista -
vi alguns primos e um tio
tio que quando o vejo desvio
porque sempre me pede algo
que eu por vezo fidalgo
jamais consigo negar
e me sinto sovina ao cobrar
de parente pobre e esgalgo

foi quando surgiu de repente
- eu não quero me tornar chato
mas não há um só santo no ato -
à frente de um monte de gente
um batalhão e o tenente
tentando deter o cortejo
contra o unânime desejo
de colher a sinergia
que por sinal não surgia
para animar o festejo

o povo em represália
- não se aborreçam comigo
não há um só santo em perigo -
arrancou roupa e sandália
sem medo que a genitália
ficasse exposta à galhofa
tal manequim nu em drofa
e foi um pega e agarra
uns por bem outros na marra
que nem fubá na farofa

prevendo coisa mais séria
- é a última vez que repito:
não há um só santo no rito -
me afastei da artéria
como se da Sibéria
me afastaria no frio
por sorte no fim do desvio
dei de cara com a bela
me sorriu e eu pra ela
sou fruto, flor e estio


Fred Matos
23/01/2010

13 comentários:

Fabio Rocha disse...

Linda homenagem!!! Poesia e humor misturados na dose certinha... Bem suassúnico. :P

Abração, Fred!

Dolores Ñandú disse...

Gostei muito, Fred! Muito bom!
Abraço!

Fred Matos disse...

Obrigado, Fábio.
Que esteja sendo ótimo o seu fim de semana.
Abração

Fred Matos disse...

Já estou visitando o seu blog, em outra aba do navegador, Jef.
Vai que eu goste.
Agradeço-lhe a visita e o convite.
Abraços

Regina Porto disse...

Caro Fred, coicidência (?) tenho falado no movimento armorial desde o ano passado. Não sei se chegou a conhecer a Orquestra Armorial, dos anos 70 - uma das pontas do movimento armorial, saido da cabeça desse paraibano que adotou o Recife e o Sport clube. Se não conheceu, tem interesse?
abraço
Regina

Unknown disse...

Indiscutível a obra de Ariano Suassuna. Vou adquirir o Almanaque Armorial, que não conheço.

O poema, como sempre belo em forma e estrutura.

A cada estrofe um novo quadro se abre, formando realmente um cortejo.

Muito bom, Fred!

Bravo!

Beijos

Mirse

Fred Matos disse...

Obrigado, Marília.
Só agora foi que vi o seu comentário.
Deixa-me contente que você goste, bem como pela visita.
Ótimo domingo.
Beijos

Fred Matos disse...

Conheço, Sim, Regina, e admiro muito, como admiro toda a obra do grande Ariano.
Não conhecia, contudo, esta publicação, o "Almanaque Armorial", organizado pelo Carlos Newton Júnior.
Agradeço-lhe a visita, leitura e comentário.
Ótimo domingo.
Beijos

Fred Matos disse...

Obrigado, Mirse.
Sempre fico contente por receber a sua visita, leitura e comentário.
Ótimo domingo
Beijos

(A estrangeira) Cristina Alcântara disse...

Sou maravilhada com Ariano e tudo o que se refere ao Movimento Armorial; acompanho seu trabalho de valorização da cultura nordestina, seu olhar generoso sobre os mais simples, e a sua simplicidade corajosa diante de tudo da vida. Também compartilho com ele o excelente gosto pelo bom futebol pernambucano representado pelo Sport Club do Recife... é maravilhoso ir ao Estádio da Ilha do Retiro e presenciar quando ele resolve aparecer com a sua camisa vermelha e calça preta, acenando para todos, um personagem muito querido. Meu viés de fã é inevitável, ainda mais, sendo nordestina, recifense e rubro negra. Essas minhas características concorrem sinergicamente para que eu tenha uma visão bastante parcial sobre o tema, por isso, ainda recomendo www.arianosuassuna.com.br
Abraços,

Fred Matos disse...

Pois é, Cristina. Eu, apesar de baiano de Salvador, o que significa uma raiz cultural de litoral, mais próxima, portanto, do que em Pernambuco seria a “Zona da Mata”, de terras mais úmidas, enquanto as raízes de Ariano estão fincadas no sertão árido, na “cultura do couro”, sou admirador da sua obra, seja pela riquíssima dramaturgia, pelo papel fundamental de incentivador cultural das manifestações da autêntica cultura nordestina, pelo autor de ensaios magníficos, por tratar-se de palestrante divertido e lúcido, por tudo isso e, sobretudo, pelo romancista que nos deu “A pedra do Reino”, um romance que tem lugar entre as obras primas da humanidade.
Mas, como ninguém é perfeito, Ariano é rubro-negro, e eu sou tricolor (risos). Torcedor do Esporte Clube Bahia e, por osmose, simpatizante dos tricolores dos outros estados, no caso de Pernambuco, do Santa Cruz. Não me queira mal por isso.
Agradeço-lhe a visita, leitura e comentário, esperando vê-la aqui outras vezes.
Beijos

(A estrangeira) Cristina Alcântara disse...

:) Quanto a vocÊ ser tricolor, não lhe queiro mal por isso, Fred. Tenho dois aqui em casa, marido e filho, com o mesmo defeito de fábrica. abraços,
Cristina

Fred Matos disse...

Exceto na hipótese de que a soma das parcelas seja superior a três, ou que a matemática esteja errada neste caso, porque é possível que o voto feminino valha mais, concluo que você é minoria em casa no que se refere às preferências futebolistas.
Ótimo domingo, Cristina.
Beijos

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