Foto: Jotafreitas
Não me amarra dinheiro não, mas formosura. Este ano, Colombina, não vai ser igual àquele, já detonou o som na praça. O caminhão eletrificado, milhares de watts, decibéis à beça, todas as bocas troando um baiano frevo, balança o chão da praça Castro Alves, não pára, arrasta a multidão pipoca subindo, lentamente, a Carlos Gomes, tem pé na dança. Dinheiro não, a pele escura. No mete o cotovelo vai abrindo caminho, atrás só não vai quem já morreu ou fica esperando outro, que já vem, que já vem, que já vem, umazinha, alemã deve ser, xenhenhém úmido decerto, pendurada no pescoço do negrão filho de Gandhi de sorriso sonso e intenção humana como a minha que transo todas sem perder o tom. Dinheiro não, a carne dura. Um grupo, abadas amarelos pintalgados de tons vermelhos, desce a ladeira de São Bento chacoalhando pandeiros, batendo agogôs, tambores, latas. A chuva bem-vinda pé-d’água desaba refresca e passa. Nessa cidade todo mundo é de Oxum, não se esqueça de mim, não desapareça, Colombina, homem, menino, menina, mulher. Poucos são ainda dominós, pierrôs, arlequins, havaianas, tuaregues, mascarados, nesta multidão com pouca roupa graças a deus. Dinheiro não, moça preta do Curuzu, não me leva a mal, vou beijar-te agora, beleza pura, hoje é carnaval, não faça como aquela que bebeu, bebeu, bebeu e depois se misturou à turba, fugiu. Se a canoa não virar virão marinheiros, índios, cangaceiros e baianas. Quando essa preta começa a tratar do cabelo é de se olhar. No tabuleiro da baiana tem vatapá, caruru e do seu tacho, flor do dendê, recende o aroma saboroso do acarajé fritando. Peço um, só com pimenta, melhor acompanhamento não há para uma cerveja gelada, não à estupidez, no ponto em que se formem dois cremosos dedos de espuma. Toda a trama da trança a transa do cabelo. Você me puxa, me leva pela mão para o meio da rua, conchas do mar ela manda buscar pra botar no cabelo, a praça fica pra trás, subimos a Chile, à esquerda o Elevador Lacerda, lá embaixo, azul esverdeado, Todos os Santos, o mar da baía onde bóia redondo o Forte de São Marcelo, no horizonte a ilha de Itaparica, toda minúcia, toda delícia, vamos em frente, Misericórdia, Praça da Sé, Terreiro de Jesus de tantas igrejas, não me amarra dinheiro não, mas elegância e agora o Pelourinho para ver ouvir o carnaval de outrora nas fantasias, das bandinhas, dos violões e bandolins do Paroano sai Milhó, não me amarra dinheiro não, mas a cultura: Quem é você, diga logo que eu quero saber o seu jogo, dinheiro não, a carne dura. A tarde cai e da sacada do velho reformado sobrado uma avozinha acena e dança, acena e dança, acena e dança, ao redor crianças jogam confetes atiram serpentinas, beleza pura. Moço lindo do Badauê, beleza pura. Se eu deixar de sofrer como é que vai ser para me acostumar, beleza pura? Do ilê aiyê, beleza pura. Na Baixa dos Sapateiros, dinheiro yeah, beleza pura, sentado neste improvisado botequim, longe o som dos trios, tontura de sons, cores, aromas, a filha da Chiquita Bacana, morena mais dengosa da Bahia, dentro daquele turbante do filho de Ghandi, pede a saideira, é o que há, tudo é chique demais, tudo é muito elegante, beleza pura. Antevendo horas de gozo, minutos que sejam são serão suficientes, manda botar palha da costa e que tudo se transe, sequer percebo, todos os búzios, todos os ócios, que acabou o nosso carnaval nas cinzas de uma quarta-feira.
Não me amarra dinheiro não, mas os mistérios.
Fred Matos
27 comentários:
Deus me livre. :)
Acho que vou me trancar em casa mesmo. :)
Abraços anti-sociais, Fred
amarra na marra. dinheiro não!
=)
Eu não, Fabio. Já estou indo para a cama: vou acordar bem cedo e pegar a estrada para ver, em Recife, o Galo da Madrugada, e, depois, os maracatús, afoxés, cirandas, etc etc etc etc.
Abração.
Beleza pura, Isadora, é o que me amarra.
Agradeço-lhe vir, ler e comentar.
Bom carnaval
Beijos
Li cantando.
Li dançando.
Li gostando...
Texto excelente!
Bjs, Fred.
Rossana
Carnaval de Brasil, famoso en el mundo entero!!!!
Bom carnaval!
un fuerte abrazo.
Fred,
Passei para deixar-lhe um abraço,
e um bom feriadão.
Excelente!
Boas energias,
Mari
Bom carnaval :))
Bom carnaval..., para você..., Fred.
Prá não dizer, voltei segunda-feira de Paraty, quando lá, inevitavelmente, observei as folias das escunas enfeitadas, em ritmo de pré carnaval. Havia até jurados.
Beijos,
Bom carnaval, Fred!
Abraços!
Fred, na busca pelo não-ao-carnaval, visito blogs e passeio por caminhos por onde a "câmera da globo" não passa. E eis que me deparo que esse seu texto 'mui louco' e muito bom, apesar de ter ficado cansada só de entrar compulsoriamente (pela leitura) no ritmo frenético imposto. Mas foi uma experiência gratificante, pela sua sagaz inteligência e pelo seu adorável bom humor.
Um abraço e bom feriado .
Cynthia
Pak Karamu visiting your blog
Caro Fred,
Acabei de ver, agora, 13h15min, o filme "Falando Grego" (ver um filme a essa hora, num feriado... coisas de quem não gosta de carnaval). E, juro, vi que o enredo do filme tinha tudo a ver com o meu clima anti-carnaval lendo sua crônica tão 'pra cima'. Não que, a partir de agora, eu vá sair pulando no bloco "Simpatia, quase amor" daqui do Rio. Não, acho que não. Mas de qq maneira, o filme e o seu texto fizeram com que eu refletisse sobre algo muito legal: conduta; a minha, diante das coisas com as quais eu não sei, muito, lidar. É como ver o Cristo Redentor com olhos de turista, mesmo passando por ele todos os dias no caminho para o trabalho, sabe como?! Acho que ESSE é o grande lance da busca pelo sorriso.
Enfim, não podia deixar de dizer do bem que um bom texto (o seu) associado a um filme com temática interessante suscitou em minha alma.
Um beijo e bom carnaval.
Cynthia
Olá, Paula.
Somente agora vejo o seu recado que agradeço comovido.
Já estamos em Maceió: ficamos só o sábado e o domingo e felizmente correu tudo bem.
Mais uma vez: obrigado.
Beijos
Obrigado, Rossana. Fico contente por você gostar.
Beijos
Na verdade o Brasil tem vários carnavais com características bem diferentes, Patricia. O mais famoso, o do Rio de Janeiro, é conhecido pelo desfile das escolas de samba. Os carnavais de Salvador e de Recife, são mais para participar que para ver. São diferentes, mas todos são manifestações fantásticas.
Agradeço-lhe a visita e comentário.
Beijos
Obrigado, Mari.
Que o seu carnaval esteja sendo maravilhoso.
Beijos
Obrigado, Lucília. Bom carnaval pra você também.
Beijos
Que esteja sendo ótimo o seu carnaval, Ana Lúcia.
Obrigado.
Beijos
Obrigado, Sônia.
Que esteja sendo ótimo o seu também.
Beijos
Agradeço-lhe por vir, ler e comentar, Cynthia.
Ótimo resto de feriado.
Beijos
Agradeço-lhe pela visita, Pak Karamu, visitarei o seu bolg também.
Abraços
Mesmo com pouco dinheiro, dá pra vir ao Nordeste, Marcos, desde que abrindo mão de certos luxos.
Abração
"É como ver o Cristo Redentor com olhos de turista, mesmo passando por ele todos os dias no caminho para o trabalho, sabe como?"
Sei sim, Cynthia. Atualmente, quando vou a Salvador, que é a cidade onde nasci, cresci e morei até bem pouco tempo atrás, vou como turista, e é como se estivesse indo para uma outra cidade. Tudo é uma questão de atitude: de estar aberto para curtir ou não, seja uma cidade, um evento, uma situação.
Beijos
sim, dinheiro nao, somente o bastante para sobreviver:)como voce escreve BEM!!!Recife, SIM!!!
sabe se voce for me ver, vai no que diz"confiem no tempo" a primeira pus em italiano ( meus amigos aqui reclamaram que nao escrevo mais em italiano:)) a imagem daquela em portugues é melhor1 Enfim, se quiser, beijosssssss
Já estive no Parole, Myra. Que belo poema, com um gostinho de haicai.
Sim, devemos confiar no tempo. Aliás, não temos alternativa a ele.
Agradeço-lhe por vir, ler e comentar.
Beijos
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