sexta-feira, abril 2

na noite das barricas bentas – parte 2


Grávidas todas as mulheres, quem irá aparar tantas crianças, se, como é bem possível, nasçam todas no mesmo dia, na mesma hora, tal qual foram concebidas? Nicolau Miranda, o alcaide, imaginando a previsível barafunda, convocou reunião da Câmara Municipal para debater o possível caos. Levar o problema à esfera estadual, pedir ajuda ao Governador, foi a primeira sugestão descartada. Seremos motivo para chacota. Terra de cornos, dirão, e o riso forasteiro será nosso infortúnio. Foi decisão quase unânime, e, dela decorrente, a formação de uma subcomissão parlamentar extraordinária de antipropaganda, destinada a abafar o caso, missão que não se cumpriu a contento, como talvez vejamos adiante, se adiante eu ainda me lembrar do assunto acessório. Tantas outras idéias estapafúrdias descartadas, entre as quais a de um certo Adolfo que ousou propor aborto coletivo, por convencimento ou na porrada, os edis fixaram-se naquela que lhes pareceu a mais simples, sigilosa e eficaz: treinar os homens para o parto das esposas e filhas. As mulheres deliciaram-se: veremos se são mesmo machos, se não irão se desmilingüir ao primeiro sangue.

A primeira defecção veio, como sói de ser, de onde menos se esperava. Despachou o prefeito a primeira-dama, dona Filomena, para a capital. Vais para a casa da tua irmã até o parto. Sou lá eu homem de aparar criança? Melhor que o expila, seja lá o que for que trazes no ventre, em um bom hospital. Aqui ao acessório retorno por propício esclarecer: nem mesmo o ter jurado sobre a Bíblia conseguiu conter a língua de dona Filomena. Também, coitada, como explicar à irmã a extemporânea gravidez, ela que dos sessenta já passara? E como imaginar que a irmã, sangue do seu sangue, carne da sua carne, guardiã, também juramentada, do transcendental segredo, o comentaria com o esposo, seu cunhado, deputado, homem público, que, como se costuma acreditar e verdade deve ser, faz de notícia prestígio, de fagulha braseiro e da palavra empenhada esquecimento?

A noticia ganhou manchete no “A Tribuna do Norte”, se espalhando pelo país e além das nacionais fronteiras. Até do Rio de Janeiro repórteres vieram a Poço Fundo. Apolônio Pitomba, líder da oposição, famoso na região pelos discursos inflamados, retórica empolada, vazia de conteúdo, foi estrepitosamente aplaudido quando pediu o impeachment do prefeito, apontando-o como o responsável direto pelo vazamento da notícia “que, além de tudo, concidadãos, afronta e desmoraliza a nossa comuna, que unanimemente deliberou pelo completo sigilo do nosso desditoso infortúnio. É crime de traição. Crime de lesa-pátria. Crime imperdoável.”. Está nos empoeirados anais da casa, bem como estão os registros dos debates que mobilizaram Poço Fundo nos dias seguintes. Safou-se o prefeito quando o líder da maioria fez ver ao plenário e ao populacho irrequieto, que dona Filomena, não obstante ter sido a primeira, não foi a única prenhe a retirar-se da cidade. Quase todas as que tinham família alhures e alguns contos de réis seguiram-lhe o exemplo. “Inclusive, nobre vereador Apolônio, a sua esposa. Como então, com que direito, com quais provas, acusa-se dona Filomena, escol da nossa sociedade, do deslize que nos acomete?”. Aplausos. Talvez, mas não há certeza, tenha sido a primeira CPI cuja pizza tenha sido assada antes da implantação.



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