terça-feira, agosto 3

horizontes - primeiro poema


Para Lenaide e Walter Luna



Foto: Fred Matos


nem todos os horizontes são horizontais.
o meu é o muro, vil, vertical, bruto,
barrando os de lá, do lado de fora,
paisagens que os poetas namoram,
e que ardem, quando findam as tardes.

há, sei, os que são metas, metáforas,
povoados de ambições e lubricidade,
mas são ilusões, e são,
se lhes queremos alcançar, cansaço.

o meu horizonte é substantivo próprio.
é O muro. um muro alto, caiado, sóbrio.
mais que barreira física, moral.

os portões ficam fechados,
mas os guardas facilitam fugas
a troco de alguns trocados.

o que posso querer do outro lado?
liberdade? qual liberdade?
liberdade para ouvir que não há vagas?
ou que estou velho para o trabalho?
liberdade para ouvir:
-- Vá trabalhar vagabundo.
quando tudo que peço são migalhas?
liberdade para chorar
pelas crianças prostituídas?
liberdade para roubar, matar,
ser preso, torturado, extorquido?

não, não há liberdade lá ou cá.
horizontes e liberdade são miragens,
estão onde não se pode alcançar,
são sonhos guardados na lembrança,
são esperanças que não tenho mais.


Fred Matos

publicado em "Eu, Meu Outro"
Editora Poesia Diária
Maio/1999
e na Antologia Horizontes
Editora Poesia Diária
Setembro/1999

32 comentários:

Bípede Falante disse...

quase tudo é miragem nessas nossas cabeças criativas e sensíveis, mas antes as miragens do que o deserto concreto e sem sombra :)
Adorei o poema.
E adorei esse horizonte vertical, de pé como se tivesse vida.

Lluís Bosch disse...

La imagen de un horizonte no vertical me parece fantástica.

ma grande folle de soeur disse...

não usarei mais do que esta palavra: aplauso! e mais ... esta outra: abraço!

Lídia Borges disse...

Confesso que nunca assim se me apresentaram os horizontes, mas é uma perspectiva concreta sobre o real...

Muito interessante!

L.B.

Tania regina Contreiras disse...

Fred, é sempre um prazer muito grande ler seus tão bem construídos poemas. E fico cá a pensar nesse horizonte vertical, que nos diz tanto.
Grande abraço,
Tânia

Deia disse...

Interessante esse horizonte murado - um horizonte MURO. Não isola - será que protege? Fred, parabéns, muito bom, rico, e cheio de nuances que nos instigam a pensar. Um muro que se expande... Um beijo, Deia.

Lila disse...

Querido poeta...estou voltando !
Muros...as vezes é necessário transpo-los, para que assim possamos voltar à vida.
Bjs meus !

Jey Cassidy disse...

substantivo próprio e CONCRETO.
Saber que a liberdade não existe em nenhum lugar e, ainda, q as ilusões são o q a cria é mostrar-se um ser muito sábio.e vc o é!=]

Batom e poesias disse...

"horizontes e liberdade são miragens"

Um horizonte vertical é uma sensação e tanto.
Bom demais, Fred.
bj

Rossana

Unknown disse...

Fred!

Esse seu horizonte muro e vil, ainda assim deixa miragens.

Lindo poema!

Beijos

Mirze

OutrosEncantos disse...

Não sei que se passa comigo, Fred..., deve ser da idade... lollll
Olha eu aqui..., mais a minha teimosa lágrima no olho...

E o meu comentário, é a tua verdade, nua e crua, estampada aqui:

"não, não há liberdade lá ou cá.
horizontes e liberdade são miragens,
estão onde não se pode alcançar,
são sonhos guardados na lembrança,
são esperanças que não tenho mais."

... e que também dói na minha pele!
Maldade Fred querido, me chamas aqui p'ra me emocionar...

Olha, fica no meu abraço, com beijão enorme!

Maria

Fred Matos disse...

Eu concordo com você, Bípede, e, diferente do eu-lírico deste poema, também prefiro as miragens às coisas concretas.
Grato pelo comentário.
Beijos

Fred Matos disse...

Fantástica na acepção de fantasia, Lluís, porque na realidade um muro é uma barreira, é a impossibilidade do horizonte.
Agradeço-lhe pelo comentário.
Abraços

Fred Matos disse...

Sua gentileza sempre me comove, Lucília. Obrigado, amiga.
Beijos

Fred Matos disse...

Poetas são loucos, Lídia. Não creia em horizontes como este.
Grato pelo comentário.
Beijos

Fred Matos disse...

A sua sempre atenta leitura é um privilégio, Tânia.
Obrigado.
Beijos

Fred Matos disse...

"será que protege?"

Talvez sim, Deia, mas será que a proteção pode substituir a liberdade? Será que o destino da nossa civilização é o auto-aprisionamento?

Agradeço-lhe por vir e comentar.
Beijos

Fred Matos disse...

"as vezes é necessário transpo-los,"

É sempre necessário, Lila.

Grato por vir e comentar.
Beijos

Fred Matos disse...

"Saber que a liberdade não existe em nenhum lugar e, ainda, q as ilusões são o q a cria é mostrar-se um ser muito sábio.e vc o é!=]"

Não, Jenny, não sou um sábio, mas acho que a liberdade, apesar de um conceito, uma ilusão, existe.
Existe como um sentimento, assim como existe o amor. É abstrato, sim, mas existe.

Obrigado por vir e comentar.
Beijos

Fred Matos disse...

"Um horizonte vertical é uma sensação e tanto."

É, mas eu prefiro os horizontes horizontais, amiga.

Agradeço-lhe o comentário.
Beijos

Fred Matos disse...

Pois é, Mirze. Eu creio que mesmo quando acreditamos que se manifesta na visão, a miragem é um produto da mente.
Agradeço-lhe por vir e comentar.
Beijos

Fred Matos disse...

Eu que me emociono pela generosidade do seu comentário, Maria. Agradeço-lhe.
Beijos

Gerana Damulakis disse...

Oi, amigo. Acabo de ler seu poema e adorei, Bjo.

Fred Matos disse...

Obrigado, Gerana.
É sempre com alegria que recebo as suas visitas e comentários.
Beijos

Enigma disse...

Parabéns Fred.

Vejo o horizonte, nem vertical, nem horizontal. Apenas vejo o horizonte da janela que dá vista para o meu quintal...

Fred Matos disse...

Obrigado, Enigma. Deixa-me contente por vir e comentar.
Beijos

Carla Luma disse...

Fredinho,
Demorei de responder o seu comentário lá no blog porque viajei e não levei meu laptop cor-de-rosa. Agora, de bobeira, esperando o telefone me chamar para a gandaia, aproveito para visitá-lo e agradecer a gentileza do seu comentário.
Amei este e os outros poemas que ainda não havia lido.
Beeiijuuuuuuuuus

Fred Matos disse...

Eu também não tenho sido assíduo, Carlinha.
Agradeço-lhe pela visita.
Ótimo fim de semana.
Beijos

Graça Pires disse...

Ver para lá do horizonte como fazem os poetas e os vadios da vida...
Um belo poema.
Neijos.

Fred Matos disse...

Obrigado, Graça.
Beijos

dade amorim disse...

Fred, gostei do poema e da foto, que se entrosam numa harmonia difícil como a da vida, mas sempre harmonia.
Além disso, a originalidade é quase agressiva, e um poema que consegue isso está acima da maioria.

Tou voltando à ativa, agora.
Beijo pra você.

Fred Matos disse...

"Tou voltando à ativa"

Isso é ótimo. Bem que eu preciso também voltar à ativa.

Agradeço-lhe por vir e comentar.
Beijos

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