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sexta-feira, novembro 28

microgramas


foto: Luiz Fonseca


[para Danielle e Eneida]

 

Cinco, sete, cinco :
é a métrica exata
do poema mínimo. 

 

Quando lancei o “Eu, Meu Outro”, em 1999, o meu amigo Goulart Gomes não havia ainda cunhado a expressão poetrix para referir-se a tercetos que os puristas não gostam que sejam chamados haicais por usarem metáforas, não observarem a obrigatoriedade do kigô e outras questiúnculas que dividem os especialistas na matéria.

Como eu não estava disposto a discutir se eram ou não haicais os meus tercetos, usei o nome micrograma, que havia sido inventado pelo grande poeta equatoriano Jorge Carrera Andrade, nos anos vinte do século passado.

Na época eu estava lendo as crônicas de “Flauta de Papel” de Manuel Bandeira, e uma, intitulada “Haicais”, datada de 3/2/1957, refere-se aos microgramas de Jorge Carrera Andrade, mas também cita Valéry que acerca do haicais teria dito: “Às vezes se reduz graciosamente a uma expressão de tão absoluta simplicidade que se pode confundir com um estremecimento, um murmúrio ou o rastro de um perfume no ar”.

Até a hora de revisar os originais eu estava indeciso se usava microgramas, estremecimentos ou murmúrios. Agora, quem preferir, pode chamar também de poetrix, para mim os rótulos não têm muita importância.

 

Quando de palavras
o poeta se embriaga,
o verso estraga.

*

Sofre a palavra
se lhe mudam o sentido
em pobre metáfora. 

*

Hermética música
há no silêncio da lágrima
que salga o mar.

*

Flor de sangue, fogo
coral, dos campos de Java,
que Shiva fecunda.

*

Trapos coloridos
no varal dependurados
despem meus sentidos.

*

Flor da paixão, dádiva
divina, maracujá,
nascido na cruz.

*

Teu azul profundo,
nos olhos de cristal tímido,
cintila o mundo.

*

Na órbita mágica
da translação, o sol faz
e desfaz verão.

*

Ascendo as sendas
das verdes colinas mágicas
do ádito púrpuro.

*

Ela é uma flor.
Eu, beija-flor, beijo-a
e vôo alegre.

*

Vem, borboleta,
colorir minha infância
de sonhos leves.

*

O cio das moças
exala perfume raro
como flor em cacto.

*

No acroamático
aerófono há mágica
de canoro pássaro.

*

Navegantes lusos,
desafiando oráculos,
geraram-nos mulatos.

 

publicados em "Eu, Meu Outro"
Editora Poesia Diária
Maio/1999


 

sexta-feira, setembro 26

poetas de outras horas - Manuel Bandeira


ilustração: Fred Matos - Dila em Inhotim


Madrigal Melancólico



O que eu adoro em ti,
Não é a tua beleza.
A beleza, é em nós que ela existe.
A beleza é um conceito.
E a beleza é triste.
Não é triste em si,
Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza.

O que eu adoro em ti,
Não é a tua inteligência.
Não é o teu espírito sutil,
Tão ágil, tão luminoso,
- Ave solta no céu matinal da montanha.
Não é a tua ciência
Do coração dos homens e das coisas.

O que eu adoro em ti,
Não é a mãe que já perdi.
Não é a irmã que já perdi.
E meu pai

O que eu adoro em tua natureza
Não é o profundo instinto maternal
Em teu flanco aberto como uma ferida.
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.

O que eu adoro em ti
- lastima-me e consola-me!
O que eu adoro em ti, é a vida.


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