Ulysses Guimarães
Hoje os 5.563 municípios brasileiros estão escolhendo novos prefeitos e vereadores para o quadriênio 2009 - 2012.
O dia 5 de outubro é, também, o dia do aniversário da promulgação da Constituição de 1988. Completa-se, hoje, portanto, o 20o aniversário da nossa Carta Magna
De lá para cá, a Constituição sofreu 62 emendas. Algumas necessárias, outras, lamentavelmente, para fazer valer os interesses de fortes grupos econômicos.
Emblemática foi a retirada da Carta, através de ação direta de inconstitucionalidade (ADI), do dispositivo que limitava em 12% ao ano os juros reais nos empréstimos bancários.
Paulo Brossard, voto vencido na sessão plenária em que o STF julgou a ADI, observou, durante a sessão de julgamento do caso, em 1991, que os deputados constituintes desejavam, com aquele dispositivo, combater o "paraíso da usura" no Brasil. "A usura encontrou o seu paraíso no Brasil, e foi exatamente isto que os constituintes quiseram enfrentar quando aprovaram a limitação dos juros reais em 12% ao ano".
Por outro lado, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que diariamente tem na Carta seu maior instrumento de trabalho, avaliam que a Constituição Federal em boa parte não saiu do papel, especialmente no que diz respeito aos direitos sociais, como saúde, educação, segurança e, mais especificamente, direito de greve para servidores públicos e participação dos trabalhadores no conselho gestor das empresas. Eles apontam que cerca de 40% de todos os dispositivos que precisariam de regulamentação para serem colocados em prática não o foram e dificilmente serão.
Em comemoração à data, sem mais lero-lero, reproduzo a seguir trechos do brilhante e vibrante discurso proferido pelo saudoso Deputado Ulysses Guimarães, presidente da Assembléia Nacional Constituinte, na sessão de promulgação:
Hoje, cinco de outubro de 1988, no que tange à Constituição, a Nação mudou.
A Constituição mudou na sua elaboração, mudou na definição dos poderes, mudou restaurando a Federação, mudou quando quer mudar o homem em cidadão, e só é cidadão quem ganha justo e suficiente salário, lê e escreve, mora, tem hospital e remédio, lazer quando descansa.
Num país de 30.401.000 analfabetos, afrontosos 25% da população, cabe advertir: a cidadania começa com o alfabeto.
Chegamos! Esperamos a Constituição como o vigia espera a aurora.
Bem-aventurados os que chegam. Não nos desencaminhamos na longa marcha, não nos desmoralizamos capitulando ante pressões aliciadoras e comprometedoras, não desertamos, não caímos no caminho.
A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma.
Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio, o cemitério.
A persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia.
Quando, após tantos anos de lutas e sacrifícios, promulgamos o estatuto do homem, da liberdade e da democracia, bradamos por imposição de sua honra: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgrace homens e nações, principalmente na América Latina.
A Assembléia Nacional Constituinte rompeu contra o establishment, investiu contra a inércia, desafiou tabus. Não ouviu o refrão saudosista do velho do Restelo, no genial canto de Camões. Suportou a ira e perigosa campanha mercenária dos que se atreveram na tentativa de aviltar legisladores em guardas de suas burras abarrotadas com o ouro de seus privilégios e especulações.
Foi de audácia inovadora a arquitetura da Constituinte, recusando anteprojeto forâneo ou de elaboração interna.
O inimigo mortal do homem é a miséria. O estado de direito, consectário da igualdade, não pode conviver com estado de miséria. Mais miserável do que os miseráveis é a sociedade que não acaba com a miséria.
No Brasil, desde o Império, o Estado ultraja a geografia. Espantoso despautério: o Estado contra o País, quando o País é a geografia, a base física da Nação, portanto, do Estado. É elementar: não existe Estado sem país, nem país sem geografia. Esta antinomia é fator de nosso atraso e de muitos de nossos problemas, pois somos um arquipélago social, econômico, ambiental e de costumes, não uma ilha.
A civilização e a grandeza do Brasil percorreram rotas centrífugas e não centrípetas. Os bandeirantes não ficaram arranhando o litoral como caranguejos, na imagem pitoresca mas exata de Frei Vicente do Salvador. Cavalgaram os rios e marcharam para o oeste e para a História, na conquista de um continente.
A Federação é a unidade na desigualdade, é a coesão pela autonomia das províncias. Comprimidas pelo centralismo, há o perigo de serem empurradas para a secessão. É a irmandade entre as regiões. Para que não se rompa o elo, as mais prósperas devem colaborar com as menos desenvolvidas. Enquanto houver Norte e Nordeste fracos, não haverá na União Estado forte, pois fraco é o Brasil.
As necessidades básicas do homem estão nos Estados e nos Municípios. Neles deve estar o dinheiro para atendê-las.
Democracia é a vontade da lei, que é plural e igual para todos, e não a do príncipe, que é unipessoal e desigual para os favorecimentos e os privilégios. Se a democracia é o governo da lei, não só ao elaborá-la, mas também para cumpri-la, são governo o Executivo e o Legislativo.
Não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública.
Não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira, desbravadora. Será luz, ainda que de lamparina, na noite dos desgraçados. É caminhando que se abrem os caminhos. Ela vai caminhar e abri-los. Será redentor o caminho que penetrar nos bolsões sujos, escuros e ignorados da miséria.
O imperativo de “Muda Brasil”, desafio de nossa geração, não se processará sem o conseqüente “Muda Justiça”, que se instrumentalizou na Carta Magna.
Político, sou caçador de nuvens. Já fui caçado por tempestades. Uma delas, benfazeja, me colocou no topo desta montanha de sonho e de glória. Tive mais do que pedi, cheguei mais longe do que mereço. Que o bem que os Constituintes me fizeram frutifique em paz, êxito e alegria para cada um deles.
Adeus, meus irmãos. É despedida definitiva, sem o desejo de retorno.
Nosso desejo é o da Nação: que este Plenário não abrigue outra Assembléia Nacional Constituinte. Porque, antes da Constituinte, a ditadura já teria trancado as portas desta Casa.
A sociedade sempre acaba vencendo, mesmo ante a inércia ou antagonismo do Estado.
O Estado autoritário prendeu e exilou. A sociedade, com Teotônio Vilela, pela anistia, libertou e repatriou.
A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram.
Foi a sociedade, mobilizada nos colossais comícios das Diretas-já, que, pela transição e pela mudança, derrotou o Estado usurpador.
Termino com as palavras com que comecei esta fala: a Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar.
A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança.
Que a promulgação seja nosso grito:
– Mudar para vencer!
Muda, Brasil!
Bom dia, Galera.
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