Não creio que papai tenha sido um homem feliz, apesar de um constante simulacro de sorriso na boca. Para ele tudo era aparência, tudo era superficial, nenhuma ação podia ser gratuita. Sequer acredito que se tenha casado por amor. Conheceu mamãe quando fazia faculdade e deve ter pensado em unir o útil ao agradável: ela era muito bonita, a família dela tinha dinheiro, tanto ou mais que a dele, e, mais importante, relações sociais onde despontavam políticos influentes e algumas das maiores fortunas da cidade. Ela a princípio funcionou como o aríete de que ele necessitava para penetrar em uma sociedade que de outra forma rechaçaria aquele filho de jagunço, por mais dinheiro que conseguisse amealhar, por melhores maneiras que conseguisse exibir para disfarçar a origem humilde. Depois ela se tornou mais que esposa, mais que mãe, a perfeita anfitriã desdobrando-se na organização das festas que papai se via obrigado a dar para entranhar-se na sociedade e agradar quem pudesse representar novos contratos para a firma. Coitada de mamãe. Muitas vezes surpreendi-a chorando, mas ela disfarçava e, como se nada acontecera, retomava suas múltiplas atividades sociais: cabeleireiros, chás beneficentes, telefonemas para colunistas sociais.
Continua no próximo post
2 comentários:
Nesta parte, a narrativa do olhar observador do filho para o comportamento dos pais.
Rotina na vida de todos nós essas impressoes, que morremos sem saber se estavam certas.
Na minha família, papai e mamãe se amavam muito, a ponto de excluirem os filhos, se o pudessem o mais cedo possível. Casando, expulsando de casa et...
Até aí nós não sabíamos a finalidade. Até que sozinhos vimos ou percebemos que o amor entre eles, era tão grande e intenso, que tudo, incluindo filhos e netos, atrapalhava.
Mesmo assim acho válido e bonito.
Muito legal essa parte!
Beijos
Mirse
Seus comentários enriquecem o conto, Mirse.
Obrigado.
Beijos
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