Para Sonia Sant’Anna

Ilustração: Modelo Malena, da La Sposa
http://sposabellanoivas.wordpress.com/2008/01/03/malena-la-sposa-2008/
O vestido era o mesmo que não usou há vinte anos quando um infarto fulminante lhe matou o noivo nas vésperas do casamento. Todo esse tempo ficara protegido das traças e do tempo por bolotas de naftalina, guardado em uma caixa de papelão. Ainda no dia do enterro decidira que nova boda seria questão de tempo. Chorara mais a não consecução dos seus projetos do que pela vida de Miguel, perdida tão cedo.
Agora, a caminho da igreja, com meia hora de atraso como convém, se recorda de todas as trapaças que a sorte lhe pregou: aquele infarto que tardando alguns dias a teria tornado viúva, uma condição bem mais adequada às suas expectativas. O namoro com Rodrigo, sua única paixão, que lhe custou dez longos anos de adiamento do sonho, marcando e remarcando a data ao sabor de uma miríade de circunstâncias racionalmente defensáveis. Até o dia em que ele a trocou irracionalmente por uma colega de trabalho que o levou ao altar como quem vai ao cinema.
A Rodrigo se seguiu uma fase de namoros breves, pois resolvera não conceder a mais ninguém prazo maior que três meses para a decisão pelo enlace. Foram tantos os namorados que de muitos não consegue se lembrar. Um dia entendeu o conselho de Margarida, sua melhor amiga, que lhe havia dito que casamento é um investimento de longo prazo, como o de ações na Bolsa de Valores, e concluiu que talvez a sua ansiedade para recolher os dividendos fosse a causa do seu insucesso, afinal, excluindo o fato da morte prematura de Miguel e a canalhice de Rodrigo, fora sua a responsabilidade pelos malogros seguintes.
Analisando suas atitudes e resolvida a tratar o assunto com a lógica do mercado, Helena comprou e leu com afinco alguns compêndios de marketing e traçou seu plano estratégico focando seus esforços sobre um “target” formado por homens solitários na faixa etária dos 40 aos 50 anos, com boa educação e condições financeiras estáveis. Inteligente que é, investiu em um microcomputador conectado na Internet e foi à caça nas salas virtuais dedicadas ao seu público-alvo. Durante quase um ano dedicou diariamente quatro horas das suas noites teclando com desconhecidos. Marcou encontro com alguns e, tantas as decepções sofridas, já estava pra jogar a tolha quando conheceu Arthur, que preenchia todos os requisitos.
A igreja estava linda. À sua entrada os músicos iniciaram a valsa nupcial. Esperando-a no altar Arthur, cuja inacreditável timidez era responsável por uma cinqüentenária castidade. Ao seu lado, ainda firme, apesar de já beirar os oitenta anos, caminhava Raul, seu pai, vindo do interior para cumprir o ritual de entrega da filha ao noivo. A cerimônia decorreu sem surpresas. O casal retirou-se da festa à francesa para a lua de mel e o vestido voltou à caixa de papelão.
Naquele mesmo dia, enquanto o avião decolava para Miami, decidiu que nova boda seria questão de tempo: é um desperdício que um vestido tão lindo seja usado somente uma vez. A técnica para conseguir noivos já está dominada. Agora Helena quer aprender a se livrar de esposos.
Fred Matos
publicado em "Melhor Que A Encomenda"
Coleção "Selo Editorial Letras da Bahia"
Fundação Cultural do Estado da Bahia
2006
25 comentários:
Que profundo.
Imagina se todas as mulheres pensassem assim :O
Mas eu acho casamento algo mágico, quando é de verdade, claro.
Beijos
Ah!, Grazi, não é profundo. Nem tudo precisa ser profundo. É apenas divertido. Obviamente nem todas as mulheres pensam assim (acho que bem poucas), como não pensam uniformemente sobre tema algum, nem mulheres, nem homens. Portanto, minha amiga, não pense que o conto é uma ofensa, nem às mulheres em geral, nem à personagem em particular, porque é direito dela, ou de qualquer outra pessoa, pensar como quiser acerca de qualquer coisa, desde que não cometa crime.
Agradeço-lhe pela visita, leitura e comentário.
Beijos
Cruel e engraçado! XD
Interessante. durante o percursso. O destino.Os devaneios com pitadas de realismo ou realismo com pitadas de devaneios.
Algumas palavras permanecem muito tempo comigo. Aqui muitas.
Abraço,
Divertido, mas também um retrato bem plausível que os acontecimentos explicam, né não?
Beijo pra você, Fred.
Nossa! Muito bom!
Casamento sempre me pareceu um negócio mesmo. Digo casamento na igreja e no papel, não o casamento do corpo e da alma.
Não sei o que é mais difícil: conseguir um companheiro(a) ou se livrar dele(a).
Natal...
É o mês de confraternização Agradecimento pela vida
Bênçãos ao filho de DEUS
União, amor, reflexão!
Que o bom velhinho traga um saco cheinho de paz,
harmonia, fraternidade
Que o gesto de ternura se estenda de várias mãos
Que ao som dos sinos
O amor exploda em toda direção!
FELIZ NATAL!
UM ANO NOVO DE FÉ E SUCESSO!
Sigo esperando un traductor en tu blog, creo que me estoy perdiendo algo que vale la pena.
Un saludo afectuoso.
Maravilhoso, Fred!
Super divertido, mas caso saiba o nome do último livro, me passe...por favor!
Aproveito para desejar a você e à Dila, um Natal de Paz e um Ano de Amor e Realizações.
Beijos
Mirse
Agradeço-lhe pela visita, leitura e comentário, Flávia.
Ótimo domingo
Beijos
Fiquei contente com a sua visita, leitura e comentário, Renata.
Obrigado.
Ótimo domingo
Beijos
Plausível sim, Adelaide, principalmente neste tempo louco que estamos vivendo.
Sempre fico contente com a sua visita, leitura e comentário. Obrigado.
Ótimo domingo
Beijos
Bruna,
Fico até temeroso das pedradas que possa receber caso seja mal compreendido, mas, de certa forma, não apenas o casamento, mas toda e qualquer relação entre pessoas envolve componentes que se assemelham às relações comerciais: mesmo a mais pura, autentica e natural relação afetiva, que é da mãe ou do pai pelos filhos.
Quanto à segunda questão, não me considero apto a opinar.
Grato pela visita, leitura e comentário.
Ótimo domingo
Beijos
Obrigado, Sonia.
Feliz Natal e um ótimo 2010 pra você.
Beijos
Vou procurar um tradutor para a página, Mercedes.
Agradeço-lhe pela visita.
Ótimo domingo
Beijos
Cada uma é uma diferente, Marcos, assim como cada bicho homem é diferente do outro.
Grato pela visita, leitura e comentário.
Ótimo domingo
Abração
Mirse,
Agradeço-lhe pela visita, leitura e comentário e, em meu nome e no de Dila, pelos votos de Feliz Natal e Bom 2010, que retribuímos.
Ótimo domingo.
Beijos
Muito bom.
Expressou muito bem uma realidade cada vez mais comum. Mas, tudo passa; Talvez, até a moda do divócio.
Beijos,
Ry.
A única certeza que temos é exatamente esta, Ry: tudo passa.
Fico contente a agradeço-lhe pela visita, leitura e comentário.
Ótimo domingo
Beijos
Fred!
Passei pra fazer uma visitinha, ler o teu post e te desejar um lindo Natal e muito sucesso em 2010.
Abraços!
Agradeço-lhe, Sonia, bem como retribuo os votos de felicidades.
Ótimo domingo
Beijos
Fred querido
Este vestido de noivas tem muitas "pérolas"....rsrsrs!
Olha, nunca entendi muito de "Mercado Financeiro", mas acho que vou me dedicar com mais afinco neste ramo...rsrsrs!
Adorei o conto, melhor que a encomenda!
Bjão e bom domingo!
Além de nome do livro, Melhor que a encomenda é nome de um dos contos da coletânea, Wania.
Também já o publiquei aqui, neste link:
http://eumeuoutro.blogspot.com/2009/03/melhor-que-encomenda.html
Agradeço-lhe por vir, ler e comentar.
Ótimo domingo
Beijos
eu, hein! sim, seria melhor nao casar, assim nao teria que ter divorcio, que é tao complicado:)))
beijos e um enorme feliz ano Novo,
Pelo que ouço dizer, Myra, agora está mais simples divorciar do que casar, mas, pensando bem, tem lógica que seja assim.
Obrigado, amiga.
Feliz Ano Novo pra você também.
Beijos
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