segunda-feira, março 1
aviso fúnebre
ilustração: Maria Helena Vieira da Silva, "Biblioteca", 1949
Cumpro o doloroso dever
de comunicar a morte do poeta Federico.
Faço-o em versos como homenagem
àquele cujos poemas, vos confesso,
não me despertavam qualquer interesse.
Caiu-lhe no crânio um alentado volume
e nos seus miolos
− zelosamente recolhidos pela inconsolável viúva −
não se constatou sequer um último verso,
nenhum indício de palavra ou arte.
Exceto pela hipótese, ainda não descartada,
de que tais coisas sejam absolutamente abstratas
pode-se supor que o poeta já estava morto
antes que morto fosse aquele que o comportava
quando sobre si se abateu o mundo encadernado
Há controvérsias quanto ao conteúdo
do livro que lhe rachou o crânio,
bem como sobre a exata circunstância do evento
que, contudo, está determinado:
nada mais foi que acidente banal.
O inquérito, porém, não está encerrado,
porque há que se cumprir a praxe:
autopsiar o cadáver, periciar a casa,
tomar depoimentos dos mais íntimos,
lavrar os autos, expedir ofícios.
Se tudo ocorrer nos prazos previstos,
nenhuma greve ou entrave burocrático
atrasar os trâmites e as tratativas,
Federico será entregue à terra no domingo
e poderá ser, para sempre, esquecido.
Fred Matos.
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16 comentários:
É sério que um poeta morreu com um livro rachando sua cabeça? OMFG
Oi Fred!
Nunca sei se é realidade ou mais um dos seus personagens.
De qualquer forma, um poeta não morre, eterniza-se nas poesias.
Caso tenha sido morte mesmo. é a libertaçao yão esparada por uns e temida por outros. Óbvio que estou bos "uns".
Beijos POETA
Mirse
É o cruel destino de todos os poetas, Fabio (risos).
Agradeço-lhe a leitura.
Abraços
Nunca é "realidade" como se costuma chamar às coisas concretas e palpáveis, mas é sempre "realidade" no universo da fantasia, Mirse. Mas, em uma coisa você tem razão: os poetas não morrem "no universo das abstrações, apenas para o mundo "real". Sendo assim, trata-se de um paradoxo a ser desvendado.
Agradeço-lhe por vir e comentar.
Beijos
Não importa se é realidade, o que importa é o jeito delicioso que nos conta. Mas acho que é mais um conto seu...rs
BeijooO'
Fred, este seu poema fez-me lembrar tempos antigos, é de fibra e tem nele todas as ressonâncias da forte poesia que sempre lhe conheci. Um beijo
Oi Fred!!
Adorei!!
Uma realidade inventada um sonho real!!!!
Beijo
Bom, se o poeta nao causava tanta admiração, pode morrer junto com sua obra...
Abçs,
Fred, adoro quando aparecem esses mistérios metafóricos. Gostei bastante do poema, uma pegada legal. Beijo.
"Não importa se é realidade..."
Exatamente, Valéria. Até porque considero que são reais, também, as abstrações.
Agradeço-lhe por vir, ler e comentar.
Beijos
Tenho saudades daqueles "tempos antigos", Helena, quando eu tinha mais tempo para a poesia.
Bom revê-la aqui.
Beijos
E eu adorei que você tenha adorado, Ju.
Obrigado.
Beijos
Gostei do comentário, Cristina. É isso mesmo, não há nada a lamentar.
Contente por revê-la, agradeço-lhe a visita e comentário.
Beijos
"adoro quando aparecem esses mistérios metafóricos"
E eu me divirto muito ao criá-los, Adriana.
Obrigado por vir e comentar.
Beijos
Olá Fred
Belos versos... Um marco para a continuidade da vida de obras que nunca morrem!
Bjuxxx e xerooo amigo
Obrigado, Juliana.
Deixa-me contente a sua visita e comentário.
Beijos
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