quinta-feira, abril 8

sonata sonolenta



Ilustração: Fernando Botero



afeiçoei-me a uma palavra

cuja acepção ainda me escapa

tem um som como antes


jamais ouvi


um som

digamos assim

tal o som de um tapa


é um som que ecoa

quando cessa o som do tamborim

quando cessa a sopa da lata

quando sinto subir à boca

um sabor azedo de fome


é de uma palavra que não se usa

palavra que não se come

palavra que não se escreve

e que só os loucos conhecem

por ser palavra que não existe



afeiçoei-me a uma palavra

que a minha memória não grava




Fred Matos

33 comentários:

Juci Barros disse...

Acho que me icluo nos loucos, entendo de palavra que não se escreve nem se fala, só se sente.
Beijo.

_Sentido!... disse...

Qual das memórias não grava, Fred?!
... se se afeiçoou, está no coração?!
e aí não há palavras, só sentimento.
Beijo

Fred Matos disse...

Obrigado, Juci. Contente por sua visita e comentário.
Beijos

Fred Matos disse...

Dessa vez você me pegou, Delirius. É nisso que dá escrever bobagem, mas talvez eu, com tempo, encontre uma explicação aceitável.
Obrigado, amiga, por vir e comentar.
Beijos

_Sentido!... disse...

Não escreveu bobagem Fred. Você nunca escreve bobagem. Poeta não deita palavras fora. Você não larga letras por largar, tem sempre algo importante escondido por detrás de cada uma delas...! É só prestar um tantito de atenção...! Não te leio por acaso, mas porque você sabe sempre o que diz. E eu faço um tamanhão de um esforço p'ra tentar descobrir o que você não quiz escrever p'ra todo o mundo ler...;)
Beijo p'ra você :)

Maria disse...

Para mim todas as palavras têm sentido desde as mais horríveis às mais ternas, e esparo que nunca as esqueça, pois no dia em que as esquecer entrarei na loucura.
É bom conhecê-las todas... dizer todas e sobretudo conhecer o seu significado, não só no dicionário mas na Vida e vive-las para saber ao que sabem.
Aqueles que as conhecem são ricos em sabedoria, e podem falar nelas tal como são, os outros não lhe podem dar o valor que elas possuem.
Bom fim de semana
Maria

Amanda Almeida. disse...

ludibriante este texto. Tem que se atentar pra sentir o que quer que se sinta. Beijo e forte abraço!

Em@ disse...

todos os dias se inventam e reinventam palavras. a(s) memória(s) nem todas grava(m) porque é(são) selectiva(s).
.
não tenho a certeza se no coração só há sentimentos...de qualquer dos modos estes, são traduzidos por palavras, umas mais acertadas outras menos.
.
palavras...palavras...palavras...
ou

shhhhhhhhhhhhhhhhhhiu
silêncio
(é palavra?)

Em@

1 abraço

Em@ disse...

---> deveria ser: de qualquer dos modos, estes são traduzidos por palavras....

sorry

Úrsula Avner disse...

Oi Fred,

belo e reflexivo poema que reflete parte de seu grande talento e sensibilidade poética. Um abraço.

Hercília Fernandes disse...

Grande poema, Fred!

Bom que se afeiçoou a essa palavra imaginária; pois, nessa busca, você nos brinda com excelentes poemas.

Um abraço, meu amigo!
H.F.

Anônimo disse...

Às vezes é melhor assim, Fred...

Beijo.

myra disse...

muitas vezes é melhor calar, e somente sentir, se transmite telepaticamente :)))
o Botero, ja se academizou a si mesmo,---faz tempo...
e voce tem esquecido de ver o blog de teu amigo, meu irmao...pena...
abraços

Unknown disse...

Belo poema, Fred!

Tenho palavras que também me afeiçoei, mas que se recusam a aparecer.

Devem ser tímidas, como eu, ou intransitivas.

Parabéns, poeta!

Beijos

Mirse

Fred Matos disse...

"Não te leio por acaso, mas porque você sabe sempre o que diz."

Vejo que você me tem em alta conta, Delirius e, obviamente, isso me envaidece muitíssimo. Também me tenho em alta conta e, portanto, não vou bancar o modesto para não incidir em falsidade. Apesar disso devo reconhecer que às vezes escrevo besteiras, sim. Mas é natural que isso ocorra, principalmente porque quando estou escrevendo poesia eu quase sempre permito que ela própria se escreva. Explicando melhor: permito-me paralelas associações sonoras e de idéias: palavras puxando palavras, idéias puxando idéias. Ocorre que muitas vezes o paralelismo se rompe e as idéias acabem se contraditando dentro do mesmo poema. Corrigir é então necessário, mas dois fatores em diferentes proporções podem contribuir para que o poema continue “errado” (se é que se pode dizer que isso é um erro): o primeiro, e mais comum, é a pressa causada pela “angústia” de atualizar o blog. Foi o que ocorreu com este poema que escrevi direto no blog e depois cuidei apenas de alterar a formatação, e mesmo assim com a urgência de quem precisava sair para uma reunião. O segundo fator é que eu, embriagado pela sonoridade, não perceba o “erro”. Evidentemente não descarto a hipótese de insistir em um “erro” por me parecer interessante causar algum ruído na interpretação do leitor.

Se quase escrevi um tratado foi apenas porque é um luxo ser lido por você, e agradeço-lhe comovido.

Ótimo fim de semana.
Beijos

Patricia disse...

Fred, adoro el modo en que permites que tu corazón encuentre las palabras y se manifieste.
un abrazo.

Fred Matos disse...

Maria,

Palavras são convenções: algumas podem significar coisas completamente diferentes para falantes do mesmo idioma no mesmo lapso de tempo e isso se radicaliza ainda mais à medida que o tempo passa e algumas palavras podem chegar a significar conceitos opostos.
Veja por exemplo a palavra “rapariga” tem em Portugal a acepção de moça, mulher jovem. Aqui no Brasil se usa como sinônimo de prostituta. Outro exemplo: A palavras “marechal” era empregada para nomear o “criado das cavalariças”, o mais baixo posto nas corporações militares e hoje é empregado para indicar o posto máximo do exército.

Por outro lado, diferente de você que espera nunca se esquecer das palavras para não se sentir louca, eu tenho consciência plena da minha loucura e considero a possibilidade de transpor a linha para a sanidade se conseguir esquecer algumas das poucas (palavras e coisas) que sei.

Agradeço-lhe a visita e comentário.
Ótimo fim de semana.
Beijos

Fred Matos disse...

"ludibriante este texto"

Juro que não tive a intenção de ludibriar ninguém, amiga.
Agradeço-lhe por vir e comentar.
Ótimo fim de semana.
Beijos

Fred Matos disse...

Ema,

Na minha opinião nem sempre as palavras conseguem traduzir com fidelidade os sentimentos reais, conquanto, paradoxalmente, tenham o poder de emular sentimentos fictícios. Não sei se estou me exprimindo bem, talvez seja mais fácil dizer que o domínio sobre as palavras me permite fazer com que acreditem nos sentimentos que invento, enquanto que jamais encontro palavras que se ajustem à expressão dos sentimentos que efetivamente sinto, talvez porque algumas palavras corromperam-se e amofinaram-se dado o uso excessivo e gratuito.
Agradeço-lhe por vir e comentar.
Ótimo fim de semana.
Beijos

Fred Matos disse...

Meu "grande talento" é uma generosidade e tanto da sua parte, Úrsula.
Obrigado, amiga.
Ótimo fim de semana.
Beijos

Fred Matos disse...

Obrigado, Hercília.
Bom te ver aqui e receber o seu comentário.
Ótimo fim de semana.
Beijos

Fred Matos disse...

Às vezes é mesmo, Juliana.
Alegra-me sempre receber a sua visita e comentário.
Obrigado.
Ótimo fim de semana.
Beijos

Fred Matos disse...

Ah! Myra. Não se aborreça comigo. Sei que estou em falta. Faz dois ou três dias que me lembro de ir ao seu blog e ao que você fez para o Iosif e me prometo ir assim que responder aos comentários ou que terminar algum serviço e ocorre algo que me afasta do computador, mas hoje eu visito-a, sim.
E saiba que também senti a sua falta.
Obrigado por vir.
Ótimo fim de semana.
Beijos

Fred Matos disse...

Pois é, Mirse, temos isso, também, em comum.
Obrigado, amiga.
Ótimo fim de semana.
Beijos

Fred Matos disse...

E eu adoro que você me visite e comente, Patricia.
Obrigado.
Bom fim de semana.
Beijos

Batom e poesias disse...

Se já está afeiçoado
a palavra existe.
Poeta e louco,
procure...

Tão bom quanto seus versos, são os comentários postados.

bjcas
Rossana

Fred Matos disse...

A verdade, Rossana, é que o esforço para não dar mancada nos comentários é bem maior que o de escrever poemas.
Agradeço-lhe por vir e comentar.
Ótimo fim de semana.
Beijos

Carla Luma disse...

Decifra-me ou te devoro
te devorarás se me decifras

Qual palavra não se diz,
porque dita contradiz-se?

Lançaste-me pistas falsas
ou não há pistas,
apenas mentiras?

E dando o não dito por dito
e o dito por vice-versa:
qual o enredo data peça?


Beeeiiiiiiijoooosssssss

Juliana Matos. disse...

O som que escapa das palavras, gravam em nossas memórias momentos intensos!
Que lindos versos!
Um abraço Fred!

Fred Matos disse...

Carla,

Decifre-te a ti mesma
pois decifrar-me é vão

A palavra que não se diz
desdita não a encubro

As pistas estão contudo
inscritas e verazes
nas próprias perguntas que fazes

E dando o dito por explícito
e o implícito no último ato
não escrevo pra teatro.


Ótimo fim de semana.
Beijos

Fred Matos disse...

Obrigado, Juliana. Deixa-me muito contente que você goste.
Ótimo fim de semana.
Beijos

ma grande folle de soeur disse...

adorei essa palavra :)

Fred Matos disse...

E eu sempre adoro quando você vem e comenta, Lucília.
Obrigado.
Ótimo domingo
Beijos

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