ilustração: Klimt
Fernando acordou atordoado, com a sensação opressiva da presença de alguém ao seu lado. A cabeça doía, zumbindo ainda os sons estridentes da noitada. A língua amarga e a ânsia de vômito eram os sinais mais evidentes do álcool que consumira excessivamente do fim da tarde até o início da madrugada, quando tomou um táxi e voltou para casa. Apesar de chumbado, tinha certeza que aquela era a sua cama e que voltara sozinho para o pequeno apartamento no vigésimo oitavo, na West 60Th Street, em Upper West Side.
Ana era uma mulher magra de cerca de trinta anos, mas à tênue luz matinal que incidia sobre o seu corpo de compleição infantil, parecia mais moça. Dormia deitada de lado, com aparência angelical. O aspecto tranqüilo não permitia supor que era uma mulher capaz de invadir o quarto de um desconhecido, e menos ainda que, sub-repticiamente, se deitasse para dormir com o estranho.
Fernando deixou-se ficar estendido uns instantes tentando pôr os pensamentos em ordem. Não queria despertar a desconhecida antes de esgotar todas as possibilidades de compreensão da situação. A mulher não tinha qualquer característica marcante. Morena, cabelo liso, cerca de um metro e setenta de altura: um tipo comum. Ele tinha certeza que não a conhecia. Estava seguro que não a trouxera consigo. Não sabia como explicar a presença dela. Isso contribuía para aumentar a dor de cabeça e a sensação de enjôo.
Levantou-se lentamente para não fazer barulho. Pôs-se ao lado de Ana observando-a como se a uma obra de arte. Como se deitada na sua cama estivesse uma das suas estátuas de mármore que misteriosamente houvesse transformado em carne humana a sua bruta essência mineral. Ana não era uma dessas belezas que levam os homens a cometer loucuras, mas tinha traços suaves. Era uma bela mulher e dormia.
Ainda aturdido e sem explicação para o insólito, Fernando deslizou as pernas bambas para o toalete. Lavou a cara com água fria. Os olhos intumescidos ardiam. Pelo espelho podia observar a mulher dormindo na sua cama. Não fora um sonho nem uma ilusão que pudesse submergir com a água pelo ralo da pia. Pensava em como a acordaria e ensaiava mentalmente as palavras para inquiri-la quando viu no espelho que ela acordava espreguiçando-se.
Você já se levantou, querido?
O banheiro estava frio como um frigorífico. Voltando para o quarto, Fernando acendeu um cigarro e aspirou a primeira baforada do dia.
Você está fumando? Voltou a fumar, meu bem?
Eu nunca deixei de fumar. Respondeu como se esquecido que ali estava uma estranha tratando-o com uma intimidade desconcertante, como se fossem amantes. Mais desconcertado ainda ficou ao vê-la tirar a roupa e convidar:
Apague o cigarro, venha para a cama, estou morta de saudades.
Mas...
Nem mais, nem menos, não diga nada. Apague este maldito cigarro e venha cá.
Fred Matos
22 comentários:
Fred, adorei as anotações... imagino quão boa virá a segunda parte deste romance urbano. Parabéns!
Estou pondo as leituras em o Nas horas e horas e meias em dia. Soube de sua viagem à Itália e, pelo o que aqui leio, vejo o quanto foi-lhe expressiva. As (foto)grafias assim demonstram.
Desculpe-me a ausência em seu precioso celeiro. Vivencio mudanças e algumas delas não foram lá inspiradoras... mas as coisas tendem à equilibração, assim almejo e creio.
Muito obrigada por seu carinho solidário. Cada expressão dos amigos contribuiu para eu recompor o ânimo e prosseguir a caminhada.
Um forte abraço a você e a sua família
da amiga Hercília.
Interessante Fred, mas fiquei curiosa. Que será que aconteceu a Fernado pra não lembrar da mulher? Me parece que ela é esposa dele...ai, deu curiosidade, rs
Bjs
Aguardo o continuar da história.
Mila Lopes
o que escreveu vai continuar? espero que sim, achei otimo!
como escreve bem, meu querido amigo!
beijos para um bom domingo!
ja tenho um quarto episodio no expressodalinha:)))
Eu espero continuar, sim, Hercília. Deixa-me contente vê-la de volta porque significa que você está superando o episódio dramático em que se viu envolvida.
Agradeço-lhe pela visita e comentário.
Ótimo domingo
"Que será que aconteceu a Fernado pra não lembrar da mulher? Me parece que ela é esposa dele...ai, deu curiosidade, rs"
Será que ele está com amnésia? É uma possibilidade, mas eu ainda não sei, Mila. O seu comentário me diz que é bom prolongar a curiosidade, manter o suspense por mais algum tempo.
Grato por vir e comentar.
Beijos
Espero que venha alguma boa idéia para continuar, Myra.
Estou acompanhando a biografia.
Grato por vir e comentar.
Beijos
Muito bom, Fred!
Se amnésia ou porre, o que interessa é que ela está ali.
Em alguma hora ele despertará.
Vou aguardar o próximo capítulo.
Beijos
Mirze
apaguei!
versas bem, camarada. boa tua prosopoéica.
beijos.
Fred, adoro vim aqui, mesmo vindo pouco... Adoro sua escrita. Bj
Agradeço-lhe vir e comentar, Mirze.
Beijos
Apagou?
O quê?
Você versa melhor, Nina.
Obrigado.
Beijos
Então venha mais vezes, Lai. Deixa-me contente que venha e comente.
Obrigado
Beijos
Gostei do ritmo da narrativa e da história com um toque surrealista. Dá vontade de ler mais...Beijo, Fred.
Oi! Chegando agora. Conhecendo o recanto. Gostei!!!!!!!! Voltarei para conhecer teu canto um pouco mais e para saber como vai se desenrolar o conto....
Abraços
e me beije porra
É bom saber que dá vontade de ler mais, Adriana. Comecei a trabalhar no segundo capítulo (que já tenho na cabeça), mas ainda não encontrei um fluxo de narração que me deixe satisfeito.
Grato por vir e comentar.
Beijos
Volte sim, Leci. Ficarei contente. Grato por vir e comentar.
Beijos
Talvez Ana não tenha chance de provar dos beijos de Fernando, CeliaAlma, pelo menos não creio que tenha no próximo capítulo. (risos).
Grato pela visita e comentário.
Beijos
Nossa, Fred, Muito bom. Me lembra "Os três nomes de Godofredo".
Aguardo a continuação.
Ah, o blogue tá bonito.
Quanto tempo, né dona Bruna?
Sua presença também significa (quase sempre) que você reapareceu no seu blog: logo mais passo para conferir se se confirma a profecia.
Fico contente por você vir, gostar e comentar.
Beijos
Sei que urge uma continuidade... mas eu até gosto das coisas assim, sem término... o leitor que seja fantasioso!
Concordo com você, Márcia, e por concordar é que não me esforcei para concluir a continuação que estava escrevendo.
Grato pela sua vinda e comentário.
Beijos
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